São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 1995
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Juiz dá guarda de filha ao pai porque mãe mora com aidético

FABÍOLA SALANI
DA FOLHA ABCD

Juiz dá guarda de filha ao pai porque mãe mora com aidético
O advogado Francisco Dias de Brito, 39, entrou ontem à tarde em Santo André (região do ABCD) com um pedido de cancelamento da liminar que deu a guarda da filha de Iria Rodrigues Neves Jesuíno, 36, a seu marido, o administrador de empresas Flaudemir dos Santos Jesuíno, 37.
O administrador conseguiu a guarda provisória da menina, Thaís Neves Jesuíno, 5, alegando que ela estava morando com um tio portador do vírus da Aids. O juiz Maurício Botelho Silva, da 4ª Vara Cível de Santo André, concedeu a liminar ao administrador.
Em seu despacho, Botelho Silva alega que, "ao reconhecer que um dos membros de sua família é soropositivo, a ré traz ao juízo situação que representa extremo e desnecessário risco à menor". Brito alega em seu pedido um preconceito por parte de Jesuíno em relação ao irmão de Iria.
"Ele (Jesuíno) nunca tinha mostrado qualquer tipo de preconceito. Ele foi em casa, pediu desculpas à minha mãe e disse que em guerra vale tudo", disse Iria.
O infectologista Humberto Barjud Onias, 34, coordenador do Programa de Controle da Aids de Santo André, disse ontem que o convívio com um paciente portador de Aids não coloca a saúde de ninguém em risco.
"A Aids só é transmitida através do sangue ou de secreções sexuais", afirmou. Onias fez um relatório sobre o estado do paciente, que é assintomático (não apresenta sintomas).
No documento, consta a impossibilidade de contaminação pelo convívio com o paciente. Ele será anexado ao processo pela defesa.
Jesuíno e Iria se separaram no dia 13 de março. Iria foi morar com a mãe, que vive com um filho portador do vírus da Aids.
Juiz
O juiz Maurício Botelho Silva não quis dar entrevista sobre o caso. Através de uma funcionária do Fórum, Silva disse que o que tem a declarar está nos autos judiciais.
Silva afirmou que, se fosse necessária uma entrevista, ela teria que ser dada pelo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo.
O juiz José Luiz Silveira de Araújo, que assinou o despacho de Silva, disse concordar com a posição de Silva. "Acho que é um risco a criança viver com o tio nessas condições", afirmou.
O presidente da subseção de Santo André da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Antonio Carlos Cedenho, 45, disse que a decisão do juiz Maurício Botelho Silva é contestável. Cedenho disse que um tribunal de instância superior pode cancelar a liminar, caso o juiz não queira reformular sua sentença.
O advogado disse que o caso é inusitado e que ele não tem conhecimento de nenhuma ação semelhante.
Para a presidente do Gapa (Grupo de Apoio e Prevenção à Aids), a advogada Áurea Celeste Abbade, 47, faltou ao juiz um esclarecimento maior sobre a doença em sua decisão. "É sabido que o convívio com um paciente portador do vírus não traz riscos à saúde."

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