São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 1995
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Derivativos - riscos e regulamentação

BOLÍVAR MOURA ROCHA

Derivativos — riscos e regulamentação
A quebra do tradicional banco inglês Barings suscita discussão acerca dos riscos relativos às operações de "derivativos" —contratos de natureza financeira cujo valor "deriva" de um ou mais ativos ou índices subjacentes, como taxas de juros ou de câmbio, ou preços de mercadorias.
Derivativos podem ser negociados sob forma padronizada, em Bolsa, ou no mercado de balcão, onde são concebidos segundo as necessidades específicas do cliente. Em princípio, o papel dos derivativos é conferir proteção ("hedging") contra variações adversas. Por meio de "swap" de taxa de juros flutuante por fixa, por exemplo, determinada empresa obtém previsibilidade de fluxo de caixa.
Paralelamente à função de "hedging", entretanto, operações com derivativos são celebradas com fins especulativos; "aposta-se" na alta ou na baixa do preço da mercadoria, da taxa de juros, da paridade cambial —como no caso da quebra do Barings.
A necessidade de regulamentação das operações com derivativos decorre da existência de riscos. Risco "sistêmico" em primeiro lugar, traduzido na possível necessidade de intervenção governamental para resgatar instituição que sofra grandes perdas e ameace a liquidez de outras instituições, provocando crise generalizada.
Riscos existem ainda do ponto de vista do usuário individual, que pode não ter o grau de sofisticação necessário para avaliar os perigos de perdas financeiras inerentes às operações; neste caso, a atuação normativa reveste-se da natureza de direito do consumidor dos produtos derivativos.
O tratamento normativo dos derivativos é embrionário, tanto no Brasil como em nível internacional. Isto reflete o próprio estágio do mercado: embora bolsas de mercadorias existam há décadas, mercados futuros para ativos financeiros surgiram apenas nos anos 70, e o mercado de balcão para derivativos em geral somente explodiu a partir da segunda metade da década de 80, com a sofisticação dos produtos financeiros e a integração de mercados em nível global.
A ocorrência de casos notórios tem suscitado discussões no Legislativo dos Estados Unidos sobre a conveniência da adoção de legislação específica, embora concretamente nada tenha ocorrido ainda. Na Europa, onde a competência normativa em matéria de serviços financeiros pertence aos órgãos comunitários da União Européia, não foi, até o momento, adotada qualquer diretiva sobre o assunto.
No Brasil, o mercado de derivativos é objeto de regulamentação prudencial do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil. Foi regulamentado primeiramente o "hedging" internacional, em 1992 (resolução 1902/92, alterada pela res. 2012/93), seguido das operações de âmbito estritamente doméstico (res. 2042/94, alterada pela res. 2138/94).
Essas normas definem o universo de instituições que podem prestar os serviços —basicamente, instituições financeiras, sujeitas a níveis de capital mínimo; vedam operações não expressamente previstas; e obrigam o registro das operações na Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos —CETIP, o que dá ao Banco Central a possibilidade de fiscalizá-las.
Ainda do ponto de vista de adequação de capital, a res. 2139/94 alterou as normas sobre adequação do capital de instituições financeiras ao risco de seus ativos (res. 2099/94), para o efeito de incluir operações de "swap" dentre aquelas que devem ter o risco ponderado para efeito de determinação da adequação do capital.
Em julho de 1994, o comitê de supervisão bancária que funciona no Banco de Compensações Internacionais da Basiléia (Suíça), e que congrega os bancos centrais dos principais países industrializados, divulgou o documento "Diretrizes de Administração de Risco Relativas a Derivativos", que ressalta a complexidade desse mercado e dos riscos a ele inerentes, salientando que "sistemas internos saudáveis de administração de risco são essenciais para a operação prudente de bancos; instrumentos de supervisão, tais como requisitos de capital mínimo, não são em si suficientes".
O documento faz diversas recomendações, que parecem ter sido ignoradas no caso do Barings, onde os controles internos falharam de forma gritante. No Brasil, a resolução 2138/94 instituiu a obrigatoriedade, para instituições autorizadas a operar com derivativos, da instituição de sistemas de controle interno e de indicação de administrador responsável pelas operações, atendendo assim, poucos meses após a divulgação, às recomendações do comitê da Basiléia.
A história da regulamentação bancária guarda estreita relação com a ocorrência de crises financeiras: o legislador age provocado por uma crise, acreditando poder prevenir a próxima. A regulamentação dos derivativos deverá ser impulsionada pelos sucessivos episódios envolvendo grandes perdas. As autoridades brasileiras mostram-se atentas, adequando as normas à evolução dos produtos.
Há requisitos para a evolução saudável do mercado: clareza por parte dos usuários quanto aos riscos envolvidos; especialização crescente e acompanhamento por parte da autoridade fiscalizadora; monitoramento constante por parte dos administradores das instituições financeiras sobre seus subalternos; exigência de capital adequado para responder por eventuais perdas sofridas por clientes.
A arte consistirá em coibir o uso irresponsável do mercado de derivativos para fins especulativos sem inviabilizar a exploração desses instrumentos para fins de proteção, cada vez mais imprescindíveis que são à administração de passivos.

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