São Paulo, sábado, 1 de abril de 1995
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Alíquota de 70% é o remédio que mata o paciente

EDUARDO DE SOUZA RAMOS

A mudança da alíquota do carro importado de 32% para 70%, decidida dia 29 de março pelo governo, deixou a todos perplexos. O mais grave é que não houve tempo nem para se aferir de maneira exata os reflexos da última alteração de alíquota (20% para 32%), ocorrida um mês atrás, que, junto com o aumento do dólar (de R$ 0,84 para R$ 0,91), representou um acréscimo médio de 16% a 17% nos preços dos carros importados. Com a desvalorização esperada do real para os próximos meses, quando provavelmente será atingida a proporção de um para um, este preço estaria automaticamente corrigido em cerca de 25%. Antecipando-se a uma acomodação natural do mercado, o governo vem e muda as regras no meio do jogo.
O recuo na política de abertura comercial acarretará inúmeros reflexos negativos. Em cinco anos de economia aberta, somente a nossa empresa investiu cerca de US$ 30 milhões no país e gerou mais de 1.200 empregos diretos. Nossa infra-estrutura atual conta com 70 concessionárias em todo o Brasil e recolhemos só de IPI, durante 1994, mais que o total recolhido por uma grande montadora com os modelos populares.
Conter a evasão de divisas e preservar o Plano Real é uma preocupação legítima do governo. O que não se justifica é o aumento da alíquota para os veículos que já estão embarcados. Afinal, os pedidos para o envio desses carros foram feitos há seis meses e confirmados há cinco -portanto, quando a alíquota ainda se encontrava em 20% e todos confiávamos que não haveria novos retrocessos. Além disso, para que as unidades sejam embarcadas, é necessária a emissão de carta de crédito. Nessa operação, os dólares são transferidos imediatamente. A dívida passa a ser, então, da empresa importadora com o banco brasileiro que forneceu a carta de crédito.
Trocando em miúdos, os dólares usados no pagamento desses carros já deixaram o país. Portanto, não representarão mais déficit na balança comercial do país. O mais grave, no entanto, é que muitas concessionárias já efetuaram vendas futuras segundo a alíquota de 32%. Para que o preço dos importados seja competitivo no país, apesar de toda a tributação a que estão sujeitos, os importadores e seus revendedores trabalham com margens apertadas, não tendo, portanto, como arcar com este prejuízo.
A abertura econômica também trouxe uma série de vantagens para o consumidor brasileiro. A principal delas foi promover a comparação entre os produtos da indústria nacional e os produtos que chegavam de fora. Frente a esta situação, os padrões de exigência do mercado interno sofreram uma elevação gradativa, obrigando as empresas nativas a se adaptar aos novos tempos.
Pressionada pela concorrência importada, a indústria nacional foi obrigada a investir em novos equipamentos, melhorar a qualidade de seus produtos e aprender a respeitar normas técnicas e padrões internacionais, além de baixar seus preços para se manter competitiva.
É claro que, para quem ficou 50 anos à sombra de leis protecionistas em um mercado cartelizado, o fato de perder espaço para novas empresas que chegaram com produtos competitivos a bons preços incomodou, e muito. A partir daí, as próprias montadoras passaram a importar quantias cada vez maiores de veículos, até colocar o governo em xeque e passar, para os exportadores internacionais, a imagem de que o Brasil é um país instável, sem credibilidade. Com certeza, o Brasil acabou de perder a chance de receber novos investimentos e instalar outras montadoras em seu parque industrial.
Falando especificamente dos veículos que represento, os mais afetados pelas mudanças serão aqueles que têm concorrentes diretos na indústria nacional. Os veículos que não têm similar no mercado nacional perderão participação pelo aumento de preços, mas continuarão tendo um forte apelo de vendas por serem carros diferenciados.
O mais assustador, no entanto, é que o mesmo governo que um dia baixou a alíquota de importação de 35% para 20%, para defender o mercado da voracidade de especuladores e remarcadores insaciáveis, um mês atrás, pressionado pelas circunstâncias, aumentou-a de 20% para 32% para tentar deter a evasão de divisas, e agora, sem esperar os frutos das medidas que ele mesmo plantou anteriormente, resolveu fazer tudo de novo, desta vez passando a alíquota de 32% para 70%. Parece até história de agricultor neófito: para proteger a plantação de uma possível praga, ele passa um inseticida hoje. Dois dias depois, só pra garantir, ele passa um outro inseticida mais forte. No quinto dia, estarrecido, ele não sabe porque a plantação está toda morta.

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