São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Vôlei 'socialista' triunfa em São Paulo

SÉRGIO KRASELIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Com sucesso nas quadras e sem grandes estrelas, o Nossa Caixa/Suzano se transformou nos últimos três anos em sinônimo de competência.
Por trás da trajetória da equipe, atual bicampeã brasileira masculina de vôlei, está a mão de ferro do paulista Ricardo Navajas, 37.
Técnico do time desde 89, por imposição dos próprios jogadores, Navajas, apesar da altura -1,76 m-, consegue fazer com que os 12 jogadores de sua equipe, com a média de altura de 1,91 m, ouçam suas palavras.
Enganam-se, porém, aqueles que pensam que os jogadores, concentrados desde o Carnaval, com direito a saídas esporádicas, reclamam do método de trabalho.
"Se está dando certo assim e estamos na final é porque ele tem razão", resume o atacante Kid.
"Ele", no caso, é Navajas, que se considera um "socialista democrático" e procura aplicar sua filosofia de trabalho ao grupo.
Hoje, ele comanda o time na primeira partida do playoff final (melhor de cinco jogos) da Superliga Nacional Masculina de Vôlei 94/95, em busca do tri brasileiro.
Na bagagem, a melhor campanha do campeonato -4 derrotas em 29 jogos. A seguir, um pouco da história de Navajas.

INFÂNCIA
"Como todo garoto eu jogava futebol. Um dia, um moleque que ia participar da equipe de vôlei na escola faltou. O professor me chamou. Foi minha primeira vez.
Mas eu queria muito jogar futebol e com 13 anos fui ao Corinthians fazer um teste. Porém cheguei atrasado. Fiquei por ali e acabei observando um treino do vôlei mirim. No final, entrei para a equipe como levantador."

FORMAÇÃO
"Nasci em Suzano há 37 anos. Meus pais são pessoas humildes, que nunca perguntaram sobre minhas notas na escola, se tinha sido suspenso, essas coisas.
Fiz educação física em Mogi das Cruzes, pós-graduação em ciências do esporte e complementação em terapia ocupacional na USP. Acabei montando uma loja de carros com meu irmão.
À noite, ia para o ginásio bater bola com o time de vôlei. Antes disso joguei na Ferroviária de Pindamonhangaba. Em 88 acabei inscrito como jogador do Suzano porque o levantador titular quebrou a mão."
No ano seguinte, a equipe foi desmantelada."

CARREIRA
"Em 89, o Suzano ficou sem treinador. Fui convidado, mas indiquei vários nomes. O clube não teve dinheiro para pagar o que eles pediram. Aí, os jogadores que estavam no time pressionaram a diretoria do clube para que eu fosse o técnico.
Houve uma reunião e me disseram: 'Ou você aceita ou vamos acabar com o time'. Aceitei e saí em busca de patrocinadores.
Um primo meu decidiu pagar o aluguel de duas casas para que dez jogadores morassem. A Prefeitura aceitou me pagar na época cem salários-mínimos. Fizemos rifa, ganhamos material esportivo, enfim, levantamos verba para o time.
Disputamos a seletiva da Liga Nacional, ganhamos, entramos para a divisão de elite. Terminamos em 4º lugar na temporada 89/90, em 91/92 conquistamos o título e em 92/93, o bi."

GERAÇÃO DE OURO
"Foi positiva a volta dos jogadores da seleção que estavam na Itália. Um exemplo é o atacante Henrique, da Telesp, que era reserva no Banespa e conseguiu mostrar que tem potencial, sendo titular em uma equipe com jogadores como Negrão e Maurício."

POLÍTICA
"Politicamente não sou a favor da democracia. Sou a favor do socialismo, apesar de todo mundo achar que não é o melhor. No Brasil, talvez fosse uma solução."

TRABALHO
"Procuro impor em meu trabalho aquilo que acredito ser um socialismo democrático. Em certos momentos dou condições para que o jogador exponha sua forma de pensar. Se o atleta aproveita a abertura e colabora para que a equipe melhore, eu aceito."

CONCENTRAÇÃO
"Estamos concentrados direto há quatro semanas, mas temos intervalos que não tivemos em 94. Os jogadores preferem assim. Eu também fico concentrado."

FAMÍLIA
"Minha mulher Marise dá a maior força ao meu jeito de ser. Não consigo ficar muito com ela e com minha filha Samia."

O TIME
"Jogadores como Tande, Giovane, Maurício, Marcelo Negrão desequilibram o campeonato. No time do Suzano não temos isso.
Tenho jogadores que tornam o campeonato competitivo, que se destacam por seus valores individuais. Isto só acontece através de treinamentos intensos."

DIRIGENTES
"Convivemos com normas e regras da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) que não visam o bem estar do atleta. Exemplo: jogo às 13h45 de um domingo.
Nenhum time treina nesse horário. É hora de almoço. Não concordo que o calendário seja determinado pela TV. Não se pensa na condição física do atleta. Reclamo, mas cumpro. Socialismo democrático é mais ou menos por aí.
Se o vôlei está onde está devemos isso ao Nuzman (Carlos Arthur Nuzman, presidente da CBV), que é ditador. Mas o sucesso do vôlei se deve a essa cobrança feita em cima de um investimento."

DISCIPLINA
"Nunca cheguei a ser um atleta porque não era disciplinado."

SELEÇÃO BRASILEIRA
"Discordo da maneira como os jogadores são convocados. Hoje, por exemplo, é nítido, os dois melhores levantadores do Brasil são Maurício e Paulo Roese.
O Leandro (do Suzano) hoje está abaixo de outros. No entanto foi chamado para a seleção de novo.
Quem sabe o Leandro não acordaria por não ter sido convocado? É o caso do Janelson. Foi cortado. Treinou, correu atrás, começou a jogar e voltou para a seleção."

PAN-AMERICANO
"Não entendo por que o técnico da seleção brasileira no Pan-Americano foi o Marcos Lerbach. Sei que ele é o campeão mundial juvenil. Mas acompanhei pessoalmente o Mundial na Argentina e, me desculpem, o nível foi fraco.
Para disputar o Pan era possível fazer uma seleção de nível olímpico. Agora é fácil falar. Não sei como é feita uma convocação."

PATROCÍNIO
"O patrocinador não quer saber de Pan-Americano ou Liga Mundial. Ele paga e quer ver o time jogando e ganhando."

OS MELHORES
"Marcelo Negrão e Maurício são os melhores jogadores do mundo. São impressionantes. Não dá para marcar os dois. Se um técnico fizer isso perde o jogo. É preciso conseguir que sua equipe bloqueie 10% das bolas atacadas. Maurício é imprevisível."

DROGAS
"Não considero louco o cara que usa drogas. É uma opção de vida dele. Mas não aprovo. Agora quem quer ser atleta não pode usar. Não combina com esporte."

BRIGAS
"Já briguei com quase todos atletas do Suzano. De sair no braço, jogar cadeira, vassoura, chute, tapas, fazer o quê?
É impossível você conviver durante meses com 20 pessoas e se dar bem com todas elas.
Vivo dentro de casa com mulher e filho e tem briga. Imagine 22 homens com pensamentos diferentes, com a pressão de vencer."

LAZER
"Não gosto de ir a cinema, boate. Adoro praia, mas não tenho tempo. Então jogo futebol de várzea. A família inteira é corintiana. E leio livros da seicho-no-ie e do Lair Ribeiro. Gosto de tocar violão, escutar Marisa Monte, Adriana Calcanhoto e Caetano Veloso."

PELÉ
"Pelé foi o melhor jogador de futebol do mundo, mas não tem condições para administrar os problemas do esporte brasileiro."

DIREITOS HUMANOS
"Um cara entra na minha casa, estupra, rouba, mata. Vou ser a favor de direitos humanos para esse sujeito? Sou a favor que matem esse cara."

AUTODEFINIÇÃO
"Não sou um sujeito com muita experiência. Sou bastante descontrolado. Sempre me cobro por resultados. Não consigo perder."

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