São Paulo, quinta-feira, 6 de abril de 1995
Próximo Texto | Índice

Frágil calmaria

Os mercados financeiros estão mais tranquilos. Ao contrário do nervosismo quase histérico que dominou o ambiente depois da mudança na política cambial, decisões como elevar as tarifas de importação, coibir as importações pelo correio e manter elevadas as taxas de juros transmitiram maior confiança.
Cresce a sensação, especialmente no que se refere ao desempenho das contas externas, de que o pior vai sendo superado, o governo está agindo com pragmatismo e parece estar-se esgotando o estoque de notícias ruins. Os dados revelam também um quadro de maior moderação no consumo e a ausência de novas medidas de contenção do crédito pelo governo também ajudou a dar alento às Bolsas, já que uma política fortemente recessiva parece por enquanto descartada.
Acreditar na continuação dessa calmaria equivale a apostar na viabilidade de uma transição tranquila para um novo modelo de estabilização, diferente daquele que se buscava antes da crise do México. Estaríamos entrando numa trajetória de consumo menor, crédito restrito, aumento da poupança interna e gradual reversão do déficit no comércio exterior. Estando claro esse modelo, bem como o percurso até ele, os mercados já nada teriam a ganhar apostando no descontrole.
Infelizmente, entretanto, ainda é cedo para aceitar esse atraente cenário. É verdade que a demanda está menos aquecida, mas os indicadores são ainda, principalmente, de crescimento a um ritmo menor, não de redução ou acomodação. Afinal, o emprego continua crescendo, há dissídios importantes em abril, a comercialização da safra agrícola aumenta a renda disponível de um setor importante e em junho haverá o impacto de um reajuste com ganho real do salário mínimo.
O aperto no crédito, se parece ter chegado já ao limite do razoável, tem sido na prática violado até mesmo por instituições estatais como o Banco do Brasil que, como fazem aliás também as instituições privadas, concedem crédito ao consumo por prazos muito maiores que os permitidos. E a poupança ainda está financiando o consumo.
Mais, é improcedente concluir a partir do movimento diário de fechamento de contratos de câmbio uma tendência definida ou mesmo um diagnóstico exato do estado das contas externas. Especialmente quando ainda se observam volumes bastante expressivos de saídas estritamente financeiras.
Finalmente, é importante notar a diferença entre os ajustes da política econômica no Brasil e na Argentina. Há nas ações do ministro Cavallo uma busca obsessiva de ajuste fiscal, entendido como âncora essencial da credibilidade externa. No caso brasileiro faltam ainda não apenas essa determinação, mas também um sentido maior de unidade na própria equipe econômica.
A calmaria é melhor que o temporal. Mas é também muitas vezes apenas um intervalo entre uma tempestade e outra.

Próximo Texto: A liberdade do voto
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.