São Paulo, sexta-feira, 7 de abril de 1995
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A ação política por medidas "absurdas"

JAYME ALÍPIO DE BARROS

Para estimular as exportações e conter o déficit da balança cambial, o Ministério da Fazenda propôs a instituição, feita pela medida provisória 948, de 23 de março, de um crédito presumido do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), a ser utilizado pelos exportadores para se "ressarcirem" do valor das contribuições PIS-Pasep e Cofins, pago por outros contribuintes e embutido no preço dos produtos intermediários. Antes, com o mesmo objetivo político e para conter o consumo, o Banco Central já havia desvalorizado o real e provocado o aumento dos juros; em sequência, foram aumentadas as alíquotas do Imposto de Importação, inclusive para automóveis.
Os referidos atos de março evidenciam o desrespeito possível, na ação política da autoridade, ao direito e a insegurança gerada pela incerteza jurídica das resoluções oficiais apenas temporárias ou consideradas "absurdas". Além de abusar na adoção de medidas provisórias que têm eficácia incerta, condicionadas à aprovação do Congresso, as autoridades do Executivo modificam as mais variadas obrigações por outros atos com força normativa, como os relativos à taxa de juros e ao aumento de alíquotas, que desde logo anunciam serem apenas "temporários".
O novo crédito e subsídio do IPI corresponde de fato, por um lado, a uma apropriação indevida, pelo exportador, de parcela da receita tributária que deixará de ser contabilizada pela União e partilhada, como determina a Constituição, com os Estados e municípios; e, por outro, a uma nova despesa da União, de valor ilimitado, não prevista no Orçamento anual e também sonegada da contabilidade pública. Em parte, cortesia com chapéu alheio.
O aumento repentino dos juros, superior a 20 pontos percentuais em um país cuja Constituição declara ser de 12% a taxa anual máxima, criou pesados ônus para o próprio Banco Central, a União, os Estados, os municípios, os agricultores e os devedores em geral, e causou uma redistribuição de rendas em sentido inverso ao politicamente correto. A casa própria e os bens móveis financiados custarão mais para as famílias adquirentes; os devedores executados e o próprio poder público, nas ações expropriatórias, tiveram os seus ônus judiciais definitivamente acrescidos.
Tais mudanças súbitas de regras vigentes, ou dos efeitos destas sobre os contratos entre particulares, podem tornar inúteis previsões financeiras e inviável o planejamento; deveriam, assim, resultar sempre de atos do Poder Legislativo, e não apenas da ação política do Executivo ou do ocasional arbítrio das autoridades. Estas continuam a prefixar a TR (Taxa Referencial) e, assim, a declarar oficialmente a correção monetária do amanhã.
No mês de fevereiro, os violentos tumultos em frente à Câmara Municipal de São Paulo e as greves ou o "estado de greve" de metroviários e de servidores públicos receberam, como o fim da "isenção" do IPI para os carros populares, amplo destaque no noticiário. São acontecimentos ligados também pelo erro reiterado dos redatores de novos textos normativos, na busca de determinados resultados políticos.
Os servidores municipais tinham sido, por uma lei de 1988, transformados em sócios da arrecadação; criou-se, então, uma permanente vinculação da despesa com pessoal a uma percentagem fixa da receita arrecadada, a cada mês, pela Prefeitura de São Paulo. A mesma lei também instituiu um sistema de reajustes automáticos, por decretos do Executivo, do vencimento mensal de cada servidor; tais vinculações eram inconstitucionais e não apenas "absurdas", como declarado pela prefeitura ao propor e obter da Câmara sua tumultuada revogação.
A "isenção" do IPI para os carros populares foi prometida em quatro convênios da União com as montadoras; as isenções dependem, porém, de lei, e a aprovação definitiva desta é tarefa reservada apenas ao Legislativo. Não poderia o Executivo criar, como prometeu antes, obrigação de dispensa do pagamento do imposto, nem cumprir tal promessa irregular, como fez, por simples decreto. O novo "aumento" do IPI para 8% constituiu, portanto, apenas uma correção tardia, pelo próprio Executivo, do seu erro anterior.
O artigo de lei que autorizou o aumento dos servidores federais a partir de janeiro, com base no IPC-r, é contrário à Constituição, porque foi acrescentado, no Congresso Nacional, ao texto de uma medida provisória autorizativa da criação do real; não resultou, como necessário, de uma proposta do Executivo.
Por sua vez, o índice acumulado de fevereiro, de 27,11%, está errado; o IBGE introduziu nos cálculos iniciais do IPC-r dados da inflação de maio e de junho de 1994, elevando ilegalmente, desde julho, a inflação oficial e o valor de pagamentos em geral.
Nas reivindicações salariais com base no IPC-r, nas anunciadas greves de trabalhadores e de servidores da União ou do município, como nos protestos contra o "aumento" do IPI dos carros populares, há, assim, em comum o equívoco da defesa de direitos que, total ou parcialmente, correspondem a meras expectativas geradas por erros de redação de novos textos legislativos ou da autoridade pública ao aplicar a lei.
Cabe lembrar que os atos normativos do Executivo que exorbitem do poder regulamentar podem ser sustados pelo Congresso Nacional; os erros do Legislativo, na criação de leis contrárias à Constituição, podem ser corrigidos pelo Poder Judiciário, na via da ação direta de inconstitucionalidade ou da ação popular, por iniciativa do Ministério Público, de outros representantes da sociedade ou de qualquer cidadão.
O absurdo em qualquer ato normativo, inclusive o da sua eficácia incerta, assim como o absurdo da falta, por omissão do Legislativo, de leis complementares necessárias, pode estar ligado à omissão de todos nós: no voto, na ausência da fiscalização e da cobrança pessoal dos nossos representantes políticos, na falta da ação popular, reservada a qualquer cidadão, da ação pública possível em cada caso, ou no nosso conformismo abúlico sem protestos.

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