São Paulo, sexta-feira, 7 de abril de 1995
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Esmagadora

Uma derrota por 388 a 60, em qualquer tipo de disputa, faz jus ao nome de esmagadora. Pois foi esse o placar amargado pelo governo na votação, pelos deputados, do veto presidencial relativo às dívidas do setor agrícola. A esse resultado some-se ainda a derrota infligida pelo Senado na mesma matéria e mais outra iniciativa oficial malograda na Câmara e fica mais reforçada a imagem de desarticulação e mesmo de desnorteamento do Planalto nas suas ações parlamentares.
A questão das dívidas rurais é particularmente inquietante não apenas pelo que sinaliza de inépcia nas relações do Executivo com o Legislativo, mas também pelos seus efeitos concretos. Com a derrubada do veto, os financiamentos a esse setor não serão mais corrigidos pela TR, mas pelo critério de equivalência-produto. A mudança, segundo o Planalto, causará um rombo nos cofres públicos de US$ 2,4 bilhões. E, se um rombo é sempre ruim, torna-se especialmente perverso num momento em que a austeridade é fundamental. Em reação, o Executivo suspendeu indefinidamente os empréstimos para o setor.
Na votação, de todo modo, as lideranças governistas, despreparadas, cederam o palco para a chamada bancada ruralista, emblemática do corporativismo exacerbado que desconhece os interesses do país, que agiu com profissionalismo exemplar. Atuou como um partido, de interesses puramente setoriais, no vácuo da ausência de um partido ou coligação governista.
É claro que não se pode culpar apenas o Executivo pelo ocorrido. Foram os congressistas que primeiro aprovaram o projeto e agora derrubaram o veto. É como se quisessem provar à população que são mesmo, no seu conjunto, os demagogos irresponsáveis que tantos imaginam. Cultivam seus próprios propósitos sem hesitar diante do custo que possam causar para o país. O que é pior, fazem isso acobertados pelo voto secreto.
O episódio é de todo modo pedagógico. Ele escancara a debilidade da suposta base parlamentar do governo e mostra concretamente os perigos decorrentes dessa situação. Não que isso surpreenda. Tal avaliação já era disseminada. Mas agora, depois de uma derrota tão acachapante, até o governo vai ter de reconhecer que há algo de errado, de muito errado, com a sua estratégia política. Ou com a falta dela.

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