São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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A voz da insensatez

JANIO DE FREITAS
A VOZ DA INSENSATEZ

No "governo de intelectuais" falta alguém que pense. Era o que menos se podia esperar, mas é o que mais se pode comprovar. As duas mais recentes comprovações podem ser situadas, à vontade do freguês, no humorístico ou no patético. Mas, em um ou em outro, assustam do mesmo modo: já não são situáveis nos níveis do erro e da incompetência, entram pela irracionalidade e pelo absurdo, por falta de um mínimo de reflexão.
É engraçado e é patético: o governo adotou a autoflagelação supondo que pratica uma represália contra o Congresso. A suspensão do financiamento para agricultura, por ter o Congresso derrubado o sistema de juros desejado pela equipe econômica, leva o governo a consequências desastrosas. Sem o financiamento, as safras agrícolas despencam. Além dos problemas de abastecimento, por si só atordoantes, a menor produção faz subirem os preços. Preços mais altos significam alta da inflação.
Importar para abastecer e conter os preços? Só se fosse para esgotar as reservas de dólares já tão desfalcadas e cair de vez na situação mexicana. Ou seja, o governo anunciou a única decisão que não devia tomar. Nenhuma, aliás, devia ser tomada tão em cima da decisão do Congresso. Situações complexas, quando encaradas pela inteligência, são pensadas antes de respondidas. Desatento para esta regrinha primária, ou o governo enfrenta as consequências de quebra das safras, ou mais uma vez passa o vexame de voltar atrás. Pelo que se tem visto, é mesmo um governo que só sabe dirigir em marcha a ré.
É o que o presidente Fernando Henrique terá que fazer, querendo ou não, pela insensata ameaça de vetar o aumento do salário mínimo a vigorar em maio, caso o Congresso desmembre o projeto governamental que conectou o aumento a medidas para maior arrecadação pela Previdência. Outra represália que não passa de autoflagelação.
A medida provisória que introduziu a URV estabeleceu que o salário mínimo, passando a ter correção anual, será reajustado em maio. A ele aplicada a inflação desde a URV, seu valor estará beirando os R$ 100. Logo, todo esse falatório presidencial de aumento do mínimo para R$ 100, como decisão do governo, não passa de exploração nada séria do que é óbvio e independe de decisão do presidente. Que ele poderia vetar o reajuste arredondado para R$ 100 pelo Congresso, até poderia. Mas só para sofrer outra derrota, porque o Congresso derrubaria o seu veto.
É inimaginável que ninguém, do presidente aos seus assessores todos, reflita um pouquinho para conter uma declaração que, sobre não ter fundamento, só pode conduzir a mau resultado para Fernando Henrique e para o governo. E, no entanto, é isso mesmo que acontece: no "governo de intelectuais" falta quem pense antes dos pronunciamentos.

Dívida
Mesmo que a Vasp tenha tirado das rotas habituais o avião dado em garantia de dívida ao Banespa, a prisão de Wagner Canhedo por "desaparecimento do avião" denuncia algo de suspeito nessa história. O controle de vôo da Aeronáutica tem os registros de todas as decolagens e dos pousos. Com um telefonema, os que davam o avião como desaparecido ficariam sabendo dele no aeroporto de Teresina ou em qualquer outro.
Canhedo está em débito com o Banespa, mas na cobrança a ele há gente em débito com a seriedade.

Em boa hora
Os deputados estaduais Jamil Murad e Nivaldo Santana, de São Paulo, requereram ao procurador-geral da República, Aristides Junqueira, a investigação da aposentadoria de Reinhold Stephanes, ministro da Previdência.
É uma boa oportunidade para Stephanes demonstrar, se puder, que sua aposentadoria não está entre as 600 mil fraudes que ele estima haver no INSS -e contra as quais não se sabe que tenha adotado qualquer providência nova e eficaz.

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