São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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Âncora política

ANTONIO KANDIR

Somos de fato um país no qual os partidos políticos contam pouco
Já se tornou costume falar das mazelas dos partidos no Brasil. Em que pesem certos exageros, as críticas em geral têm fundamento. É o que mostra a tabela acima, retirada de artigo publicado na revista "Dados", volume 37, de 1994, em que Scott Mainwaring e Timothy R. Scully comparam o "grau de institucionalização" dos sistemas partidários de vários países da América Latina (por falta de espaço, limito-me a apresentar os resultados agregados).
O penúltimo lugar, ocupado pelo Brasil, vem dar razão à opinião geral a respeito do sistema partidário brasileiro. Somos de fato um país em que os partidos contam pouco na definição das preferências do eleitorado e nas decisões das lideranças políticas dentro e fora do Congresso.
Essa característica do sistema partidário empresta à política brasileira um grau mais elevado de incerteza e, gostemos ou não, favorece a personalização do poder político.
Resultam daí duas perguntas: i) É possível melhorar o sistema partidário em lapso curto de tempo?; ii) Se não, quais as implicações para as chances de êxito do processo de estabilização, para o qual a previsibilidade é requisito tão importante?
A resposta à primeira vem pronta. Ainda que desejável e mesmo crucial, a institucionalização maior do sistema partidário não é processo que caminhe à jato. Primeiro, porque passa por mudanças na legislação que implicam ampla e controversa negociação política. Segundo, porque tem aspectos histórico-culturais que não se moldam à vontade dos legisladores.
É, portanto, com este sistema partidário que o país terá de avançar em sua tarefa mais urgente de consolidar a estabilidade econômica. Isto não significa que se deva perder de vista o objetivo estratégico de melhorar seu funcionamento, encaminhando, a seu tempo, as chamadas reformas políticas.
Significa apenas que, não havendo sincronia entre um e outro processo, deve-se jogar o jogo nas condições que o gramado apresenta, marcando inovações, ainda que limitadas, no estilo de conduzir a partida.
E o jogo, no sistema político brasileiro, está centrado no presidente da República, alguns governadores, prefeitos das principais capitais e reduzido número de lideranças de expressão supra-regional no Congresso. O primeiro encarna, com a licença da expressão fora de moda, o sentimento de unidade nacional. Certo que não foram poucas as vezes em que esse poder simbólico foi utilizado de maneira autoritária, para desmoralizar, por atos e palavras, os partidos e o Congresso. Essas não são, entretanto, características intrínsecas ao cargo, basta lembrar o já tantas vezes lembrado exemplo de Juscelino.
E quem melhor, no Brasil de hoje, que o presidente Fernando Henrique Cardoso para imprimir sentido democrático a este poder simbólico do cargo? Quem melhor para, a uma só vez, promover o diálogo e afirmar o peso da Presidência? Que fez ele senão exatamente isto, mesmo fora do cargo, durante a implantação do Plano Real e a campanha para as eleições de outubro?
Pois então, o caminho é este e já está aberto. Não se trata de inventá-lo, trata-se de percorrê-lo. O sucesso da empreitada, porém, não depende exclusivamente do presidente da República. Depende também das lideranças de expressão supra-regional, no Congresso e fora dele. Do entrosamento estreito entre o atual chefe do Executivo e essas lideranças, muitas das quais com legítimas aspirações no plano nacional, depende a preservação da confiança no Real e do entusiasmo quanto ao futuro do país.

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