São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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O governo a passos de cágado

OSIRIS LOPES FILHO

Tudo indica que o governo federal tem tido dificuldades para apresentar a sua proposta de emenda constitucional em matéria tributária.
Tempo para redigi-la já teve. Desde a campanha eleitoral, o candidato Fernando Henrique anunciou alguns de seus princípios e objetivos, descritos no seu programa de governo, "Mãos à Obra, Brasil". Esta, a orientação.
A questão não se resume em a equipe de governo, influenciada por tal exortação, meter mãos à obra, e, por sua vez, produzir a proposta tão prometida e esperada.
A ansiedade dos contribuintes é grande. Afinal, a carga tributária é brutal e cruel, tanto para a pessoa física quanto para a empresa. Aguardam a proposta redentora.
Parece que o governo federal resolveu botar as barbas de molho e fingir-se de morto na área da reforma constitucional tributária. Parece que se deu conta da necessidade de reduzir a carga tributária e da impossibilidade de fazê-lo através de uma reforma tributária de nível constitucional. Daí a demora decorrente da perplexidade da tomada de consciência.
A redução da carga tributária se faz na legislação infra-constitucional, eliminando-se incidências e reduzindo-se alíquotas. A simplificação e racionalização das obrigações tributárias, que infernizaram a vida das empresas, aumentando-lhes os custos administrativos, muitas vezes sem funcionalidade para o controle do fisco, é tarefa de detalhe, sem a grandiosidade que cativa a tecnocracia brasiliense. Assim, não se dá prioridade a esta tarefa.
É hora de o governo utilizar-se da criatividade que a situação exige. Um caminho para a redução da carga tributária é o de se determinar as perdas de arrecadação com isenções tributárias, reduções de base de cálculo, incentivos que perderam a sua eficácia ou não mais correspondem às finalidades para as quais foram instituídos.
Em suma, propõe-se reavaliar as renúncias tributárias da União para eliminar as que estejam superadas. Um exemplo é o benefício às usinas siderúrgicas no âmbito do IPI. Constitui uma vergonha a sua continuidade após a privatização das empresas estatais.
A ausência de uma proposta de reforma tributária do governo federal, talvez por decorrência de conflitos e divergências internas na sua equipe, provoca um vácuo que tenderá a ser preenchido por outras sugestões.
O PMDB já se aproveitou disso. Deu um empurrão político na emenda do deputado Pontes, que tramitava a passos de cágado no Congresso. Ela tem todos os ingredientes para empolgar. Reduz o elenco de impostos e tem um conteúdo simplório que há de encantar setores da sociedade. É mais trabalhada do que a emenda que propôs o Imposto Único. Trata-se de um desenvolvimento -mais aperfeiçoado, embora primário- da concepção do Imposto Único.
Vai dar trabalho obstar a sua tramitação. No clima de inconformidades com as distorções tributárias, há a tendência de que prosperem propostas ingênuas, formuladas com a fé inabalável dos salvadores de situações calamitosas.
Há apoio parlamentar para a proposta do deputado Pontes. Aprovada, o seu efeito será desastroso para as finanças públicas, pois tende a diminuir significativamente o nível de arrecadação. Simulações indicam que reduziria a arrecadação à metade.
É uma ameaça ao equilíbrio das finanças públicas. Golpe mortal na estabilidade do Real. Evolução do déficit público.
Cumpre ao governo apresentar finalmente a sua proposta. Para valer. Reduzindo a carga tributária das pessoas físicas e das empresas, racionalizando as obrigações acessórias e eliminando os incentivos e isenções superados.
Assim, vai ocupar espaços políticos e mostrar trabalha e não apenas faz promessas para o povo e ameaças para os que postulam discussão aberta e prudente em relação às alterações na ordem econômica e na Previdência Social.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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