São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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Duas refábulas

JOSÉ PAULO PAES
CIGARRA, FORMIGA & CIA.

Cansadas dos seus papéis fabulares, a cigarra e a formiga resolveram associar-se para reagir contra a estereotipia a que haviam sido condenadas./ Deixando de parte atividades mais lucrativas, a formiga empresou a cigarra. Gravou-lhe o canto em discos e saiu a vendê-los de porta em porta. A aura de mecenas a redimiu do antigo labéu de utilitarista sem entranhas./ Graças ao mecenato da formiga, a cigarra passou a ter comida e moradia no inverno, com o que livrou seu canto da acusação de imprevidência boêmia./ O desfecho desta refábula não é róseo. A formiga foi expulsa do formigueiro por lhe haver traído as tradições de pragmatismo à outrance e a cigarra teve de suportar os olhares de desprezo com que o comum das cigarras fulmina a comercialização da arte.

ALTOS E BAIXOS
Um homem apaixonado pelo céu andava o tempo todo de rosto para cima, a contemplar as mutáveis configurações das nuvens e o brilho distante das estrelas. Nesse embevecimento, não viu uma trave contra a qual topou violentamente com a testa. Um amigo zombou da sua distração, dizendo que quem só quer ver estrelas acaba vendo as estrelas que não quer./ Espírito previdente, tal amigo vivia de olhos postos no chão, atento a cada acidente do caminho. Por isso não pôde ter sequer um vislumbre da maravilhosa fulguração do meteoro que um dia lhe esmagou a cabeça.

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