São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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Enzimas corrigem defeitos no DNA

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Molécula do Ano" é criação de "Science" para destacar no fim de cada ano uma descoberta científica relevante.
A de 1994 não prestigiou nenhuma molécula isolada, mas todo um sistema de enzimas que prontamente detecta e corrige os defeitos ocorridos no DNA, ou ácido desoxirribonucléico, a matéria prima dos genes.
O DNA é a planta codificada das cerca de 60 mil proteínas do corpo humano sadio. A todo instante estão ocorrendo alterações em sua estrutura e, se estas não fossem logo sanadas, o acúmulo de erros inviabilizaria a saúde, a vida e a própria evolução das espécies.
Acontece aí um fato aparentemente paradoxal: se o DNA é copiado erroneamente, pode proporcionar muito maior frequência de doença e câncer, além do prejuízo na transmissão dos caracteres hereditários; mas se, por outro lado, ele fosse demasiadamente perfeito, não haveria caminho para a diversidade e a evolução.
O DNA é estrutura muito complexa, comparável a uma escada de caracol. Os corrimãos desta correspondem a fitas paralelas torcidas em torno de um mesmo eixo como se fossem hélices (a famosa dupla hélice) e formadas pela alternância de um açúcar (a desoxirribose) e fosfatos.
Os degraus correspondem a associações lineares de bases nitrogenadas (adenina, timina, guanina e citosina), ligadas por hidrogênio.
Os pares de bases são distribuídos de maneira variável e característica de cada proteína.
Compreende-se a magnitude da tarefa do sistema enzimático quando se sabe que ele responde pela manutenção de DNAs de 100 trilhões de células com 4 bilhões de bases por célula que sofrem cerca de 10 quatrilhões de ciclos de divisão durante a vida normal.
Há importantes diferenças e semelhanças entre as espécies quanto ao mecanismo de reparo do DNA, explicando as diferenças por que, por exemplo, uma substância pode ser carcinogênica numa espécie e não em outra, ou por que a aspirina causa defeitos congênitos em coelhos porém não na mulher, e ainda por que a talidomida produz os catastróficos defeitos na gestação.
As enzimas de reparação do DNA são conhecidas há muito tempo, mas esse campo de pesquisa refloresceu incrivelmente nos últimos anos, em especial 93 e 94.
Há vários tipos de sistemas de reparo, o mais conhecido e divulgado dos quais é o do "despareamento, que ganhou grande destaque em 94, quando se demonstrou que um tipo de câncer do cólon (hereditário e não poliposo) é desencadeado por um gene que acarreta falhas no sistema de reparo de despareamento.
Esse gene especializa-se na correção de erros de cópia. As enzimas examinam meticulosamente o DNA recém-produzido quanto à existência de bases despareadas, cortam as erradas e substituem-nas pelas certas.
Muitas destas pesquisas foram baseadas em experiências com bactéria (Escherichia coli) e leveduras.
Outros sistemas de reparo atacam problemas resultantes de oxidação e outras reações internas comuns. É o reparo por excisão de base.
Os danos provocados por agentes externos, como ultravioleta e substâncias químicas, são corrigidos por outro sistema -a de excisão de nucleotídeos, que em geral reconhece e repara grandes e volumosas lesões do DNA.
A falta desse sistema acarreta doença hereditária -o xeroderma pigmentoso-, que de tal modo sensibiliza a pessoa à luz solar que ela chega a desenvolver câncer cutâneo antes dos 10 anos de idade.
Procuram os especialistas atualmente criar testes para detecção de defeitos no sistema reparador. Buscam também avaliar a teoria segundo a qual o declínio no reparo do DNA faz parte do processo de envelhecimento.
Para fazer idéia da precisão do sistema de reparação do DNA, basta dizer que o sistema humano de cópia do DNA comete em média apenas três erros de pares de bases ao copiar 3 bilhões de pares de bases do genoma humano.

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