São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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O divã e o comandante

Por mais que as manchetes relativas aos primeiros meses do governo Fernando Henrique Cardoso tenham sido tomadas, de modo geral, por temas econômicos, parece cada vez mais evidente que a razão de fundo da crise brasileira é política.
Política em todos os sentidos. A começar pelas dificuldades que um governo eleito no primeiro turno encontra para montar uma base parlamentar. A cada votação importante, fica claro que o Executivo está preso a um círculo de ferro. Ou cede à tentação do fisiologismo e distribui cargos ou corre o risco de perder novas votações.
Pior ainda: mesmo que ceda ao fisiologismo, nada garante que sua maioria será sólida. O governo arrisca-se a ficar apenas com a metade do "é dando que se recebe".
E mais, a fragmentação partidária impede a racionalidade no jogo político-parlamentar. Num Congresso mais ou menos organizado, a sigla majoritária é o eixo da atividade legislativa. No Brasil, não.
O PMDB é a legenda majoritária, ainda que sua maioria seja só relativa, e tem dois dos três líderes governistas no Parlamento. Mas o PMDB, como a maioria dos partidos, é um aglomerado de interesses dispersos que ninguém comanda.
Apontar a política como o fulcro da crise não significa, contudo, minimizar as dificuldades econômicas. Até porque uma coisa está ligada à outra. Se o panorama na economia fosse o de céu de brigadeiro, a política tenderia a ajustar-se, ainda que aos solavancos. Do mesmo modo, se não houvesse tantos problemas políticos, o horizonte econômico teria menos nuvens.
O fato concreto é que se disseminou uma sensação de mal-estar profundo. Uma sensação que só faz crescer à medida que a sociedade não sente firmeza ao governo.
Há um claro problema nas contas externas. Mas ninguém aposta firmemente na reversão do déficit, apesar das medidas tomadas. A própria ministra Dorothéa Werneck admitiu a esta Folha que não espera superávits neste semestre.
Na economia serão, portanto, pelo menos três meses de uma navegação à beira do ataque de nervos. No âmbito político, mas com prazo indefinido, repete-se o drama sempre que houver uma votação de alguma importância no Congresso.
Para esse tipo de problema, o ser humano recorre ao divã. Mas nele não cabem 150 milhões de brasileiros. A saída não passa pelo analista, mas por comando firme, diretrizes claras e respaldo no Congresso para transformá-las em atos concretos. Exatamente o que está faltando.

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