São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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O caminho mais longo

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Se você, leitor, tivesse de ser biografado, qual seria a sua escolha -em vida ou depois da morte? Os biógrafos se dividem nesse assunto. Muitos preferem biografar o biografado depois da morte alegando ter mais liberdade para interpretar e escrever. Outros vêem muitas vantagens em interagir com um biografado vivo.
O presidente Franklin D. Roosevelt quis ser biografado quando ainda vivo. Numa das sessões de coleta de dados, o biógrafo perguntou:
"Presidente: o senhor não perde a paciência quando vê o Congresso criando tantas dificuldades para o seu governo enquanto os ditadores impõem o que querem com a máxima facilidade?"
Essa questão não podia ser mais oportuna para o Brasil de hoje. Vale a pena analisar e meditar sobre a resposta de Roosevelt. Ele disse:
"Um governo sem oposição é uma coisa muito aborrecida -mortalmente aborrecida. Confesso não ter nenhuma inveja dos ditadores bem-sucedidos. Penso jamais ter possuído os atributos necessários para desempenhar esse papel".
De fato, o relacionamento entre Roosevelt e o Congresso foi um verdadeiro tumulto. Os conservadores o acusavam de querer introduzir o comunismo nos Estados Unidos. Os esquerdistas o chamavam de inerte, ineficiente e covarde. A imprensa o atacava de todos os lados. Foi um tempo verdadeiramente infernal.
Apesar disso, Roosevelt foi eleito e reeleito quatro vezes! Ele venceu com a força da paciência; com a virtude da tolerância; e com a arte de negociar.
Por isso, presidente Fernando Henrique, não desanime. Não desperdice o seu potencial de argumentação e sua extraordinária capacidade de negociação. Todos os governantes passam por momentos de incompreensão. Mas o Brasil não está tão ruim assim. Lembremos que a Alemanha, que chegou a ter reservas de US$ 4 bilhões em 1914 (!), em poucos anos teve a sua moeda destroçada e o moral destruído no momento em que um dólar passou a valer um trilhão de marcos.
A situação do Plano Real é delicada, sem dúvida, mas não é desesperadora. As condutas do Congresso Nacional têm ameaçado o plano, mas não são irreversíveis. O patriotismo tem escasseado entre nós, mas não foi inteiramente varrido da nação. Ou seja, o Brasil continua com os ingredientes básicos intocáveis para crescer e progredir. Nossos trabalhadores são aguerridos; as empresas estão pouco endividadas; o nosso parque industrial é, de longe, o melhor da América Latina; nossos agricultores garantem 80 milhões de toneladas de grãos.
Em suma, o lado real da economia está vivo e forte. Este é um grande trunfo. É com ele que o presidente tem de contar. Basta apenas que, como Roosevelt, ele use um pouco mais da sua infinita paciência para convencer a nação e, em seguida, o Congresso Nacional sobre a necessidade imediata das reformas estruturais. Pra frente, presidente!

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