São Paulo, segunda-feira, 10 de abril de 1995
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Líder de sem-terras diz que vai assentar 20 mil famílias

ULISSES DE SOUZA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MIRANTE DO PARANAPANEMA

José Rainha Júnior, 34, integrante nacional do MST (Movimento Sem-Terra), não vai parar de liderar invasões no Pontal do Paranapanema até que consiga assentar 20 mil famílias -ou cerca de 60 mil pessoas- na região.
"Vai ser o maior assentamento do país", diz. O seu alvo são as terras do município de Mirante do Paranapanema (630 km a oeste de São Paulo) -consideradas em 1958 pela Justiça como pertencentes ao governo do Estado.
São 66 mil hectares -660 milhões de m2, equivalente a cerca de 95 mil campos de futebol.
No Pontal desde 1993, Rainha já comandou dezenas de invasões, que forçaram o governo do Estado a retirar, por meio de acordos indenizatórios, três fazendeiros da área, entregando as propriedades para assentamento dos sem-terra.
Rainha lidera 1.800 famílias já assentadas e outras 5.000 que aguardam terras na região. Esse contingente representa 21 mil pessoas. Na semana passada, liderou as invasões das fazendas Haroldina e Arco Íris, onde estão mais de mil pessoas.
Rainha deu entrevista à Agência Folha na sexta-feira e no sábado passados em três momentos: no acampamento da fazenda Haroldina, em sua casa (decorada com quadros de Che Guevara e Mao Tse Tung) e na sede da fazenda São Bento (que está sendo transformada em escritório da Cooperativa dos assentados).

Agência Folha - O que é conquistar as fazendas Haroldina e Arco Íris?
José Rainha Júnior - É pressionar o governo para tirar o fazendeiro da terra que não é dele. O município de Mirante pertence ao Estado. São 66 mil hectares que vamos conquistar.
Agência Folha - Vocês pretendem invadir toda essa área?
Rainha - Vamos ocupar o que é do Estado e assentar 20 mil famílias. Nos acampamentos das fazendas Haroldina e Arco Íris estão 1.800 pessoas.
Agência Folha - Quantas ainda devem chegar chegar?
Rainha - Nos próximas 15 dias, colocaremos 9.000 pessoas.
Agência Folha - Essas pessoas vêm de onde?
Rainha - Dos 19 municípios do Pontal.
Agência Folha - Como vocês fazem para ter controle sobre esse pessoal?
Rainha - Temos um cadastro com todas as informações. Sabemos quem é trabalhador rural e quem não é. Não queremos maus elementos no movimento.
Agência Folha - Qual seu relacionamento com fazendeiros da região?
Rainha - No início, havia arrogância por parte deles. Mas depois que mostramos que eles estavam em terras públicas, a situação mudou. Tenho sido procurado para negociar.
Agência Folha - Como o sr. chegou à direção do MST?
Rainha - Participando da organização do movimento em todos os Estados do Nordeste, onde fiquei três anos.
Agência Folha - Como o sr. foi parar no Pontal?
Rainha - Sofri ameaças de morte no Maranhão e vim para cá.
Agência Folha - Se resolver o problema do Pontal, o sr. vai para outra região?
Rainha - Acho que a reforma agrária é uma questão nacional e, onde houver latifúndio, estarei em defesa do movimento sem-terra.
Agência Folha - O que é propriedade produtiva para o sr.?
Rainha - É aquela que cumpre coisas básicas, como o número de empregados e a cultura que exerce dentro dela. Deve ter boi, que dá carne e leite, milho, arroz, feijão e mandioca.
Agência Folha - O que sr. acha do governo FHC?
Rainha - Ele tem um passado comprometido com a mudança do Brasil, mas fez uma aliança com o que há de mais atrasado na política, que é o PFL de Antônio Carlos Magalhães. Dificilmente terá sucesso com esse tipo de aliado.
Agência Folha - Qual sua avaliação sobre o ministro da Agricultura, José Eduardo de Andrade Vieira?
Rainha - Péssima. Ele representa os latifundiários. Esse cara tem um compromisso com os banqueiros e com os latifundiários.
Agência Folha - Qual sua opinião sobre a política agrícola do governo?
Rainha - Fraca. Não tira o Brasil do poço. Não há nem garantia de preço mínimo para a produção.
Agência Folha - Na reivindicação de uma política agrícola, daria para juntar sem-terra e fazendeiros?
Rainha - Essa aliança é impossível até na reivindicação. São pontos de vistas diferentes.
Agência Folha - O sr. concorda com as propostas constitucionais do governo?
Rainha- Não. Favorecem as oligarquias, os monopólios e a classe dominante. Deveriam beneficiar os trabalhadores.
Agência Folha - E os protestos contra FHC?
Rainha - Acho que são justos. É um direito do povo protestar e o governo deveria entender o que o povo está querendo dizer.
Agência Folha - O que acha do governador Mário Covas?
Rainha - Ele vem num momento oportuno e traz nova mentalidade sobre reforma agrária. Acho que fará uma administração voltada aos trabalhadores, mas existe uma aliança que pode atrapalhar.
Agência Folha - Qual a diferença entre os governos Covas e Fleury?
Rainha - Com Fleury, uma liminar de reintegração era dada na segunda e ele mandava a polícia no mesmo dia. No primeiro teste, Covas não mandou a polícia e recebeu fazendeiros e sem-terra para tentar um acordo. Fleury teve o mérito de ter assentado 970 famílias no Pontal.
Agência Folha - O sr. é filiado a algum partido?
Rainha - Não. Minha única militância é no Movimento Sem Terra e meu único objetivo é fazer a reforma agrária.
Agência Folha - Em quem o sr. votou na última eleição?
Rainha - No Lula. Voto nele quantas vezes for preciso.
Agência Folha - Como o sr. vive? Recebe ajuda?
Rainha - Recebo ajuda de custo de dois salários mínimos do Movimento Sem-Terra.
Agência Folha - E quem banca o movimento?
Rainha - Os assentados contribuem com 2% a 3% da produção.
Agência Folha - Os sem-terra estão armados?
Rainha - Suas armas são faca, facão, machado, enxada, seus instrumentos de trabalho. Essas são as armas que carregamos para defender a terra e a reforma agrária.
Agência Folha - Mas e os conflitos que são registrados entre policiais e sem-terra?
Rainha - O braço armado na área rural é o latifúndio.
Agência Folha - O sr. admite a luta armada?
Rainha - A luta armada está ultrapassada. Mas o povo com fome se revolta e a revolta é perigosa. O governo deveria ficar alerta sobre o Rio. Com o povo faminto e o banditismo, só falta a ideologia para desencadear a luta armada.
Agência Folha - O sr. é acusado de ter participado de um conflito no Espírito Santo, onde morreu um fazendeiro. Como é essa história?
Rainha - Por causa dessa acusação já passei várias vezes por presídios. Mas nunca conseguiram provar nada. Quero deixar claro que defendo a reforma agrária como defesa da vida. Quem defende a vida não tem porque tirá-la.

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