São Paulo, segunda-feira, 10 de abril de 1995
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Dívida pública - à véspera do caos

CESAR MAIA

Fora do noticiário econômico, inebriado pela questão cambial, a dívida pública interna insinua-se e já constitui o nó górdio do Plano Real. Alguns poderiam imaginar que o problema central estaria nos juros altíssimos. Mas, infelizmente, não é assim. A sistemática definida para a rolagem da dívida pública transformou-se em uma "ciranda da felicidade".
Os altos juros não desestimulam o déficit público, por incrível que pareça. Eles são, simplesmente, agregados ao valor do título e, no dia seguinte, servem de lastro para a captação em mercado dos recursos financeiros correspondentes ao valor anterior do título, agregados dos juros nominais no dia anterior.
Os Estados e municípios ainda pagam um pouquinho mais, ou seja, o pequeno ágio cobrado além dos juros. Sem nenhum novo endividamento, a dívida pública federal cresceu quase 40% em 12 meses e a dos Estados e municípios, quase 50%.
Esta mágica, que dá inveja às populares "correntes", terá consequências funestas, de uma forma ou de outra, e a prazo não tão longo. Os meios de pagamento, M2 em diante, passam a ter um crescimento autônomo. Com isso, a liquidez tem de crescer proporcionalmente para financiar as carteiras de títulos do setor público.
Alguns poderiam alegar que isto é um risco para os governos, na medida que o estreitamento da liquidez deixaria as dívidas descobertas e inadimplente o setor público. Vã ilusão.
Como o governo federal autorizou os Estados a transformarem os títulos estaduais em títulos federais -e, como princípio, o governo federal não vai se deixar quebrar - tem-se como garantida toda a liquidez necessária para manter a festa alegre.
Não é sem razão que a Prefeitura de São Paulo também quer entrar na brincadeira, trocando seus títulos por títulos federais.
Com isso, ter ou não dívida, ter ou não juros altos, tanto faz para o setor público. Quem paga a conta são as empresas e as pessoas. E, claro, em breve, o país.
Para os governos que procuram eliminar o déficit público, como é o caso da Prefeitura do Rio, que opera com superávit operacional, sugiro dar um diploma de otário ou convidar a entrar no baile, trocando também seus títulos municipais por títulos federais.
Mas esta mágica terá, em breve, um limite. A criação autônoma de liquidez poderá ter dois desdobramentos. Quanto mais liquidez, mais espaço para o refluxo de capitais estrangeiros e mais problemas para o nível das reservas.
Sustentam alguns economistas que o refluxo recente de capitais estrangeiros só pôde ocorrer com a facilidade que ocorreu pela expansão da liquidez, no caso até a primária, em novembro e dezembro de 94.
Outro percurso será o lastro para a aceleração da inflação. Qualquer um dos vetores é grave e os dois em conjunto, é pura dinamite.
Os governadores, que recém-assumiram, devem estar admirados de ler no jornal que os juros estão nas nuvens e não vêem as suas despesas de caixa subindo. Reparem que, nas primeiras semanas, reclamavam dos juros. Quando descobriram que quem paga a conta é a "viúva", passaram a tratar de outros assuntos "mais sérios".
Claro, a Prefeitura de São Paulo, por equidade, quer o mesmo tratamento. E, se for assim, a Prefeitura do Rio também, sendo que a gestão financeira deve sofrer uma inflexão. Afinal, não é justo conter gastos e, portanto, obras e serviços, isoladamente.
Esta "ciranda da felicidade" é a ante-sala e o sinalizador de que haverá qualquer liquidez secundária necessária e, com isso, o equilíbrio e a estabilidade estarão comprometidos a médio prazo.
Como não há bobo no mercado financeiro, todos anteciparão suas decisões e, com isso, a "ciranda da felicidade", para ser rolada, terá de oferecer, imediatamente, juros mais altos. Com isso teremos maior liquidez, maior refluxo de capitais estrangeiros e maior expectativa de instabilidade. E, finalmente, tudo junto, ou seja, a festa termina em confusão.
Como estamos apenas no começo deste processo, tão conhecido de todos nós, ainda há tempo para revertê-lo. Afinal, o governo federal e os estaduais estão começando e podem adotar as medidas necessárias ao ajuste da dívida pública.
Como só dois municípios, Rio e São Paulo, têm dívidas em títulos, os demais municípios são pagadores neste processo, em geral via juros de agiotagem no mercado de empréstimos por antecipação de receitas, garantidos por retenção de tributos.
Outro efeito colateral que poderia ser citado é o enfraquecimento das pressões por reformas estruturais do Estado.
Afinal, a privatização, permitindo a redução da dívida pública e o desafogo financeiro do setor público, em especial do federal, faz-se desnecessária, já que a dívida é de mentira, não é para pagar, nem elas, nem o seu serviço.
Como a equipe econômica sabe de tudo isso mais que qualquer um de nós, temos absoluta certeza de que, rapidamente, serão definidas as regras do jogo.
Uma delas poderia ser a redução da dívida federal e o estabelecimento dos limites da liquidez para M2, M3 e M4, sinalizando que mesmo os títulos federais são títulos de risco e que o governo federal não garante a sua liquidez em qualquer situação. Se não for assim, não é dívida, mas emissão de quase moeda paga, em seus efeitos, por toda a sociedade.
Ansiosos, aguardamos os sinais da competente equipe econômica do governo federal.

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