São Paulo, segunda-feira, 10 de abril de 1995
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Os ruralistas e o ex-czar da Fazenda

NELSON MARQUEZELLI

O Congresso Nacional, numa decisão democrática e soberana, entendeu que estava havendo uma transferência de renda do setor agrícola para o sistema financeiro e, pelo voto, corrigiu essa distorção.
Assim, a derrubada ao veto presidencial que anulava a vinculação entre a correção dos preços mínimos agrícolas e os financiamentos de produção não pode ser caracterizado como uma ação isolada de um grupo de parlamentares que, pejorativamente, costuma ser chamado de bancada ruralista, retrógrada ou jurássica.
Vamos aos números: dos 457 deputados presentes à seção, 388 votaram contra o governo e 60 a favor da manutenção do veto. Já entre os senadores, houve 43 votos contra e 22 a favor. A maioria dos parlamentares manifestou-se favorável a acabar com uma aberração que estava levando o campo brasileiro à falência.
Como resposta às frequentes críticas dirigidas à chamada "bancada ruralista" -e, em especial, contestando recente artigo assinado por Mailson da Nóbrega nesta seção (28/03)-, afirmamos que, ao contrário do que pensa o ex-ministro da Fazenda, conviver com as divergências é da própria natureza do Poder Legislativo.
A vida parlamentar retrata a natureza essencialmente democrática desse poder, que precisa saber ouvir, ainda que acusações injustas. Pessoalmente, considero fundamental este exercício de tolerância, mesmo diante das sólidas desconfianças em relação às motivações do acusador. Nesse artigo, quero deixar clara a enorme diferença entre o poder da ignorância e o poder da maioria.
Quem pretende analisar a ação parlamentar precisa, antes de tudo, conhecer o "bê-a-bá" da política. Pesquisa recente da Escola de Agronomia de Lavras mostra que apenas 2% da população rural vota corporativamente em representantes da classe agrícola. A maioria vota motivada por outras razões, que nada têm a ver com tais atividades profissionais. Moradia, saúde e alimentação, entre outras preocupações dessas comunidades, motivaram a eleição dos atuais parlamentares.
Advogar teses que não contam com a simpatia da imprensa, sem qualquer apelo junto à sociedade, não garante votos no campo. Apenas gera críticas e cobranças. O parlamentar sabe que o setor agropecuário é desarticulado e não se organiza para eleger seus representantes. Essa realidade é suficiente para desmontar o raciocínio simplista do desinformado articulista, que acusa o parlamentar defensor da agricultura de integrante de bancada "retrógrada" e "bolorenta".
É bom esclarecer que a bancada ruralista apóia-se em uma tomada de posição, baseada em convicção íntima de grande número de parlamentares, de que a agricultura é o suporte e a garantia da sociedade brasileira, pois sustenta as demais políticas públicas.
Esses parlamentares lutam por uma agricultura sólida, que não gere contingentes de desesperançados, que não perca renda e que continue a alimentar a população. Na defesa do agricultor, defendem o país, e, em decorrência, lutam por uma política agrícola correta.
A existência de uma bancada ruralista forte não é fruto de um sistema partidário frágil próprio de uma política terceiro-mundista, como afirmam alguns. Justamente nos países desenvolvidos, onde se pratica a disciplina partidária, os parlamentos consideram legítima a organização de blocos suprapartidários, que se constituem para defender setores da sociedade e da economia.
É o caso do chamado "bloco da laranja", no Congresso norte-americano, que, na defesa do produtor nacional, conseguiu sobretaxar a exportação do suco de laranja brasileiro em US$ 492 a tonelada.
Nada é mais notório do que a empedernida defesa de seus agricultores pelo Primeiro Mundo, que prega a transparência nas regras de mercado nos setores onde são competitivos, mas pratica ostensivo protecionismo onde não o são. Esse protecionismo chegou ao ponto de arrastar, por oito anos, a Rodada Uruguai do Gatt (Acordo Geral de Comércio e Tarifas), simplesmente porque se ousou falar na liberalização dos mercados de produtos agrícolas.
Os países ricos, em 1990, investiram US$ 300 bilhões -mais de duas vezes a dívida brasileira- na manutenção dos preços artificiais para os produtores agrícolas. É no mínimo curioso, portanto, que, enquanto no Primeiro Mundo pratica-se um expressivo nível de subsídio, no Brasil chama-se de "bolorento" quem quer impedir que se destrua a produção nacional não-subsidiada.
Toda a luta da bancada ruralista tem por objetivo impedir que o agricultor perca renda e seja obrigado a migrar para a cidade. Todo o esforço de negociação busca garantir que a lei seja cumprida no que diz respeito aos preços mínimos para a agricultura e evitar que o crédito oferecido ao produtor, muitas vezes oriundo de fontes de captação a custo zero, seja repassado com até 84% de juros, como ocorreu na infeliz gestão do ex-ministro Mailson da Nóbrega.
Se existe uma bancada rural, é para possibilitar à agricultura os meios necessários para que cumpra sua missão de alimentar os milhões de brasileiros, que dela dependem.
Nossa agricultura assumiu o desafio contra a má-fé e a ignorância. O ótimo conceito que o ex-ministro Mailson granjeou entre os banqueiros, quando era o czar da Fazenda, talvez justifique que ainda hoje ele defenda os interesses daqueles. O que não se pode admitir é que continue, com ataques descabidos, a defender como certa a atual política agrícola, que massacra e leva à falência o agricultor.

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