São Paulo, terça-feira, 11 de abril de 1995
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Direita de Hollywood mostra sua cara

ANA MARIA BAHIANA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

Ainda que o presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, Arthur Hiller, tenha aberto a última cerimônia de entrega do Oscar com um discurso anticonservador, a "nova direita de Hollywood" começa a mostrar sua cara.
É o que afirma a edição de abril da revista "Los Angeles Magazine". Assinada pelo jornalista Jeffrey Wells, uma reportagem lista os poderes conservadores da indústria, e procura mostrar por que essa gente toda passou tanto tempo em silêncio, e por que agora, com a arrancada republicana no Congresso, estão se aventurando a revelar suas colorações políticas.
O discurso de Hiller na entrega do Oscar foi contra a proposta do deputado conservador Newt Gingrich de acabar com o financiamento do Estado às artes (leia texto abaixo).
A lista da reportagem da "Los Angeles Magazine" não é longa. Nela estão os conhecidos brucutus do conservadorismo, como os atores Sylvester Stallone, Bruce Willis, Arnold Schwarzenegger, Charlton Heston, Chuck Norris e Mel Gibson (que assumidamente acha homossexualismo uma aberração da natureza, e passa boa parte de seu novo filme, "Braveheart", ridicularizando um personagem gay).
A lista traz também os apologistas do capitalismo selvagem (como o empresário Rupert Murdoch) e do "laissez faire", como o ator e diretor Clint Eastwood, arquiinimigo dos ecologistas no tempo em que era prefeito de Carmel.
Também os que fazem a apologia do uso das armas de fogo não escaparam da lista: os atores Charlton Heston, Kurt Russell e Joe Mantegna.
Na lista está também a turma em cima do muro, como Kevin Costner, cuja agenda pessoal parece ser ultra-americanófila e conservadora, mas cujos filmes abordam temas liberais.
E a intelligentsia da direita -o roteirista John Milius ("Apocalypse Now"), que faz a linha América-acima-de-tudo e gosta de dar tiros de submetralhadora para o ar, no teto de sua casa nas colinas de Hollywood; o diretor John Hughes ("Esqueceram de Mim"), que ainda sonha com a América suburbana (e branca) dos anos 50; o escritor Tom Clancy ("Jogos Patrióticos"), para quem a maior conquista da civilização são as forças armadas americanas.
Mais do que a lista em si, a própria idéia da matéria causa espanto: não seria a indústria cinematográfica americana maciçamente conservadora, em ação e ideologia? Curiosamente, não é assim que Hollywood vê a si mesma.
Numa das muitas, grandes contradições da cultura americana, ao mesmo tempo em que Hollywood produz, consistentemente, filmes recheados de mensagens reacionárias -um ponto, aliás, que Wells aborda em seu artigo- e adora o lucro amplo, geral e irrestrito, seus profissionais são, maciçamente, membros do Partido Democrata, simpatizam com ou militam por causas liberais -Aids, ecologia, feminismo- e vêem a si mesmos como "pessoas de esquerda".
Na verdade, Hollywood sempre esteve na mira da nova direita republicana, como uma das principais causas daquilo que os conservadores vêem como "a decadência moral" dos EUA.
O domínio do liberalismo pessoal de Hollywood, Wells aponta, pode muito bem ser uma consequência da caça às bruxas dos anos 50, quando os cabeças dos estúdios entregaram seus profissionais de esquerda aos investigadores do Congresso que procuravam "atividades antiamericanas".
"Foi isso que acabou com a direita em Hollywood", diz um escritor e pesquisador mencionado no artigo. "Para os profissionais do meio, foi a direita que provocou a caça às bruxas e deixou famílias sem sustento. Ser conservador virou sinônimo de ser um caçador de bruxas."
Num contexto desses, ser membro do Partido Republicano ou fazer campanha por candidatos ou causas conservadoras é algo que, afirma Wells, pega muito mal. "Os conservadores de Hollywood, ao contrário de seus colegas no Congresso, estão inferiorizados em número e poder de fogo", Wells escreve. "Eles se sentem marginalizados, e muitos optaram por permanecer em silêncio."

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