São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 1995
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Comunicação social e democracia

AUGUSTO MARZAGÃO

A comunicação é essencial na vida econômica, política, social e cultural de um país. O alcance dessa afirmação só é percebido quando se mergulha profundamente nas entranhas da comunicação social, hoje uma matéria de acrescidos objetivos e complexidades, com repercussões em praticamente todas as atividades humanas.
Observo que a Comunicação Social da Presidência, criada no presente governo, insere uma proposta de reordenamento da vida nacional em que as atividades de comunicação cumprem destacada função pública. A consolidação do processo de reconciliação entre Estado e sociedade passa, necessariamente, pela abertura efetiva de canais democráticos, de mão dupla, entre governo e povo, pelos quais circulem livremente informações de real interesse.
A publicidade é um dos segmentos mais sensíveis e de particular significação estratégica no campo da comunicação. Os publicitários são, por excelência, formadores de opinião. Entendo que sua atividade vai muito além dos objetivos da venda. A venda é a resposta mensurável pelos instrumentos da estatística; é o critério mais aparente da eficácia da publicidade. Mas o "animus" de toda uma cultura transparece até no aparentemente prosaico anúncio de um sabão ou laticínio. Publicidade é ao mesmo tempo produto e insumo da cultura, no seu sentido mais lato.
A visão de um governo democrático não pode ignorar essa realidade e confiar-se exclusivamente nos aspectos mais visíveis da ação publicitária, ou seja, nos mapas de mídia, nas estatísticas, nas pesquisas qualitativas simplificadas. Há que se aprofundar a sua compreensão para atingir as grandes tendências que envolvem simultaneamente o corpo social e suas instâncias de elaboração e reelaboração cultural.
A publicidade não se limita a traduzir, a incorporar e a fantasiar os lugares-comuns colhidos no campo da linguagem que lhe é contemporânea, para em seguida devolver ao imaginário coletivo, através dos meios de comunicação, estruturas massificadas e massificantes.
Há uma qualidade, há uma inteligência, há um valor sutilmente agregado às mercadorias entregues nas nossas salas de visita; e esse valor tem, seguramente, alto reflexo na conformação dos estados psicológicos da população, não apenas com relação a produtos, ao consumo, mas com relação aos diversos níveis de percepção da realidade.
Extrapolando a definição acadêmica de publicidade de Robert Escarpit, como um "conjunto de sistemas de comunicação e difusão, integrado em um sistema de relações econômicas", diria que a publicidade tem um raio muito mais amplo, configurando-se em um poderoso instrumento de tomada de consciência, que se manifesta por reivindicações de identidade étnica, grupal, regional ou nacional.
Nessa ótica, a indução de atitudes de consumo pode transformar-se em vontade deliberada de integrar a venda de produtos, marcas ou instituições em um conjunto mais vasto da dinâmica social, atuando positivamente na disposição de ânimo do receptor em face de sua própria inserção na vida social.
Para melhor explicitar esse raciocínio, citaria o exemplo da experiência do governo federal no setor. As sociedades modernas tendem, de forma inexorável, para a redução da presença do Estado em diversas esferas das atividades humanas. Não se trata de renúncia de atribuições e responsabilidades, mas de reação adequada a uma gradativa incorporação, nos processos políticos, econômicos e administrativos, de movimentos bem organizados, conduzidos por grupos autônomos da sociedade, com reivindicações específicas.
O Estado onipresente, onipotente, provedor, patriarcal, quase divinizado, cede lugar a uma nova forma de autoridade mais próxima de Rousseau e Tocqueville e muito longe de Stálin e Mussolini. O governo passa a ser uma instância de regulação, de arbitragem, de ordenamento geral, de estabelecimento de linhas de ação pública e de diretrizes nacionais, a partir das grandes prioridades que a própria sociedade estabelece.
O que acontece no campo econômico, com a desmontagem de um arsenal antediluviano de ação estatal, dá-se também no campo da comunicação social, em que o governo limita-se a ser um indutor das ações publicitárias e de comunicação em geral, para mobilizar a opinião pública no apoiamento dos projetos retirados do âmago das exigências e dos anseios da sociedade.
O esforço desenvolvido pelo governo, junto a anunciantes, agências de publicidade e propaganda e veículos, inspira-se em uma filosofia de ação solidária no tocante a questões de fundo que interessam a toda sociedade, a que chamamos de superior interesse nacional, ou interesse comum.
E é justamente nesse capítulo que se pode, sem constrangimento, reunir na mesma proposta de campanha concorrentes que disputam acirradamente objetivos específicos. Para citar um exemplo, temos campanhas de produtores de leite recomendando o consumo de laticínios. Esses produtores fazem também suas campanhas de marca, mas reúnem-se em um esforço comum para expandir o mercado que compartilham.
Em caráter informal, é o que o governo tem procurado fazer, no tocante à recuperação e à afirmação de valores éticos, morais e cívicos, quando propõe aos anunciantes a vinculação a suas campanhas de elementos rememorativos de símbolos nacionais, ou fatores importantes para produção do progresso, como o trabalho, a educação, a conservação do patrimônio público, a proteção de recursos naturais etc.
A presença do governo no espaço da comunicação não é de concorrência ou de competição, nem de condução ou de imposição -de resto impensáveis e inviáveis, em regime democrático-, mas de integração dinâmica. O governo, ao reduzir as barreiras formais e informais que o distanciavam da sociedade, permeabiliza-se e habilita-se, assim, a se deixar contaminar pelo aspirações imediatas e mediatas da população.
Creio portanto que a sua tendência na área de comunicação é a do não-intervencionismo, da descentralização, do não-dirigismo tutelar. Busca-se, como finalidade maior, a realização da comunicação social do governo como um serviço público útil, confiável, tendo a informação veraz e responsável como material principal de veiculação.
Daí decorre que o revestimento afetivo das mensagens deve corresponder à imagem global do governo, de forma coerente, reconhecível e identificável pelo público, sem se perder no personalismo, na autocontemplação, na autopromoção narcisista.
A publicidade do governo tem uma direção, uma finalidade, um objetivo, como expressamos antes, no contexto de uma proposta global de reforma e modernização do Estado e da sociedade.
A fala do trono, a palavra do rei, dá lugar à fala da soberania do corpo social, que encontra um canal legítimo e eficaz de expressão de suas inquietações e aspirações. Eis uma peça integrante e indispensável da democracia pluralista e participativa. A comunicação democrática assume o status de instituição do regime das liberdades.

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