São Paulo, sábado, 15 de abril de 1995
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O caminho para a justiça

JAMES L. CAVALLARO

Março não foi muito bom para a imagem da Polícia Militar no Brasil. No dia 4, no Rio de Janeiro, diante de dezenas de pessoas e de uma equipe de televisão, o cabo Flávio Ferreira Carneiro matou o assaltante Cristiano de Moura Mesquita de Melo, em frente ao shopping Rio Sul. As imagens do assassinato correram o mundo via CNN e BBC, geraram protestos, mas foram caindo no esquecimento.
No dia 16, a Folha divulgou que a própria PM paulistana admitiu haver matado 136 civis nos dois primeiros meses de 1995, um aumento de quase 100% em relação a 1994. Para entender tamanha violência, isso equivale a quatro vezes o número de civis mortos pela polícia de Nova York em quatro anos.
Depois, em 17 de março, a PM do Rio Grande do Sul entrou em cena. Um grupo de homens entrou no presídio municipal de Uruguaiana, tirando o preso Everaldo Silva Santos de sua cela e executando-o com 12 tiros. Nos dias anteriores, policiais vinham praticando diversos crimes na vila Áreas Verdes, bairro operário da cidade. Esta onda de violência foi a resposta para a morte do PM Gilson do Prado Brum, com um golpe de facão na cabeça, ao tentar prender um camelô, dias antes. Confundido com o assassino do PM, o operário Francisco Gonçalves Filho foi sequestrado e executado com 19 tiros por um grupo de mascarados.
Por se tratar de crimes hediondos, os delitos de Uruguaiana foram para a Justiça comum e não para a Justiça Militar, ao contrário dos demais. Julgar crimes praticados por policiais contra civis fora do âmbito da Justiça militar é uma reivindicação antiga da Human Rights Watch/Americas, que encaminhou uma recomendação neste sentido ao presidente Fernando Henrique Cardoso, em 16 de março.
Visitei Uruguaiana. Pude falar com pessoas capazes de identificar vários dos policiais, já que eles nem sempre tomaram o cuidado de colocar capuz, diferentemente do que mostraram as reportagens sobre o caso. No entanto, o medo de se apresentar e depor ainda é muito grande.
As autoridades gaúchas têm demonstrado interesse em esclarecer estes crimes, ao contrário do que se passa em outros Estados. O secretário da Segurança Pública, José Einchenberger, viajou ao local logo após o homicídio, nos recebeu e até ajudou em nossa pesquisa. Mas se ele quiser esclarecer este crime terá que ir além. Não vai bastar apenas uma investigação de rotina, ainda que seja bem feita. Para que as testemunhas apareçam na delegacia, para que deponham e identifiquem os PMs responsáveis, o governo terá de garantir a integridade física delas.
Já há muito a Human Rights Watch/Americas vem reclamando a falta de proteção às testemunhas, reconhecendo nisto um passo para a elucidação de crimes praticados por policiais e outro para o fim da impunidade que impera em tais casos. Esta recomendação também foi encaminhada ao presidente Fernando Henrique Cardoso, junto com a outra já referida acima.
Foi o governo que permitiu que facções violentas surgissem dentro da PM. Depende do governo se esforçar para eliminá-las. As autoridades do Rio Grande do Sul podem dar um exemplo neste caso para o restante do país. Só depende delas.

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