São Paulo, sábado, 15 de abril de 1995
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Emoção de Rodin chega em peso ao Rio

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Há muito não se via, ou talvez nunca se tenha visto, por aqui, evento de tamanho peso. Artístico e material. Pesam cinco toneladas e meia as obras do escultor francês Auguste Rodin (1840-1917) que o Museu de Belas Artes do Rio trouxe de Paris para exposição que começa na próxima terça-feira e promete filas dando voltas no quarteirão. Os chineses se extasiaram diante delas, dois anos atrás, e a curadoria do Museu Rodin garante: o melhor do Michelângelo do século 19 estará entre nós. A julgar pela listagem, a mostra é de fato altamente representativa.
Há esculturas de Rodin por toda parte. Nem todas rigorosamente originais, pois o bronze permite uma variedade enorme de cópias derivadas de um molde em gesso ou barro, cera, madeira e outros tipos de metal inferior. O Museu Rodin abriga as peças mais, digamos, autênticas. O que não significa que as obras do Museu Rodin da Filadélfia, fundado em 1929, sejam clones desprezíveis. Um dos conjuntos mais bonitos de esculturas do mestre está no terraço do Metropolitan, em Nova York.
Talvez nem às novas gerações seja necessário dizer que Rodin foi um dos artistas mais famosos em todos os tempos. Ao menos de nome e reprodução, qualquer pessoa medianamente culta conhece "O Beijo" (1886) e "O Pensador" (1879). Com Rodin, a escultura tornou-se uma arte plena de energia, fúria divina e impacto emocional. No século passado, apenas Victor Hugo e Richard Wagner -dois colossos igualmente intensos e excessivos- pareciam da mesma estatura. Rodin poderia ter esculpido a saga de Jean Valjean ou a gesta dos "Anéis de Nibelungo". Preferiu, simplesmente, o "Inferno" de Dante. A modéstia não era o seu forte.
Quem assistiu ao filme "Camille Claudel" sabe disso. Rodin era, mesmo, o protótipo do gênio mercurial. Gérard Depardieu não exagerou nas tintas. Ou nos cinzéis, como queiram.
Antes dele, existia apenas a perfeição, buscada e burilada com extremada obsessão. Herança clássica, legada pelos gregos, que o italiano Antonio Canova purificou à "outrance", até enjoar os olhos. Rodin respeitava a técnica de Canova e a mestria de Michelângelo e Donatello, mas achava, com razão, que chegara a hora de desprezar o aspecto externo de "acabamento", deixando algo para a imaginação do espectador.
No início, muitos espectadores dispensaram a deferência. Para eles, uma escultura na qual, às vezes, até parte do bronze era mantida em estado bruto para dar a impressão de que a figura nele esculpida estava emergindo e ganhando forma naquele exato momento, não passava de uma excentricidade. Ou, na pior das hipóteses, de uma desrespeitosa manifestação de preguiça. De incompetência Rodin não podia ser acusado.
Conhecia a fundo a estatuaria clássica e já dera provas disso quando fazia ornamentos para A.E. Carrier-Belleuse, com quem aprendeu a desbastar mármore e os demais rudimentos do ofício. Seu primeiro escândalo, falando nisso, o molde de gesso de "A Idade de Bronze", era uma peça tão impecável do ponto de vista artesanal que os críticos mais maldosos espalharam ter sido ela modelada num corpo humano.
Nascido em Paris, no mesmo ano de Monet, de quem se tornaria amigo e comparsa, identificava-se com as propostas estéticas dos impressionistas e também foi alvo de restrições e boicotes por parte dos acadêmicos da época. Não o aceitaram na Escola de Belas Artes francesa e rejeitaram o seu "Homem de Nariz Quebrado" no Salão de 1864. Mas, a partir de 1879, mais especificamente por conta de "O Pensador", desmantelou todas as resistências e arrebatou o país, da Normandia à Costa Azul. E, quase que simultaneamente, toda a Europa.
Deu-se ao luxo de viver de encomendas até o fim da vida. Sem limitação temática. Esculpiu gestos, mãos, celebridades, mitos gregos, deixando inacabada a sua suposta obra-prima, os baixo-relevos da porta do Museu de Artes Decorativas de Paris, inspirados na "Divina Comédia", de Dante. "O Beijo" saiu dela. Representava a Fé, no inferno dantesco. Passou a representar outra coisa: o beijo da morte na era clássica.

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