São Paulo, sábado, 15 de abril de 1995
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Profetizo que Ciro será presidente em 98

ANTONIO CALLADO
COLUNISTA DA FOLHA

Clóvis Rossi armou outro dia na sua crônica o seguinte "teorema", expressão dele: "Há, na coligação governista, pelo menos três candidatos, todos obviamente não-declarados. Um é o ministro do Planejamento, José Serra (PSDB). O outro é Luís Eduardo Magalhães (PFL), presidente da Câmara. O terceiro é José Eduardo de Andrade Vieira (PTB), ministro da Agricultura".
Ora, de todos os escritores desta terra, eu, como o menos capaz de fazer prognósticos políticos, leio sempre tais vaticínios como algum humilde grego pré-socrático ouvindo o Oráculo de Delfos.
Fico boquiaberto, ao ler a Folha diária, com a satânica visão do futuro que ostentam, descuidados e aristocráticos, Dimenstein, Marcelo Beraba, Luís Nassif e sempre, sempre, meu querido e falso santo, pistoleiro cristão, pecador que só peca de mãos postas (e transfere todas as suas culpas, eletronicamente, para o Crucificado) murmurando preces, Carlos Heitor Cony.
Como fazem, me pergunto atônito, para lerem na véspera o jornal de amanhã? Como adivinham -antes que os próprios criminosos o cometam- o crime que ainda nem amadureceu neles e está longe de chegar à mídia? Eu nunca adivinhei nada. Na manhã do suicídio de Getúlio Vargas, eu, como redator-chefe do "Correio da Manhã", tinha ido dormir às 6h do dia 24 de agosto, enquanto ainda borbulhava no Catete e na nossa redação a renúncia ou não do "Velho".
Todos ao meu redor -ao redor do chefe, redator-chefe- já sabiam exatamente o que Getúlio ia fazer -o Heráclio Sales, o Carpeaux, Mota Lima, Álvaro Lins, Borba, Moniz Viana, Edmundo Moniz, Niomar Moniz Sodré e acho que até Graciliano Ramos, suspensório descido dos ombros, cigarro Selma grudado nos lábios.
Eu por fora, inteiramente cru, circulando entre os sábios, morrendo de pena do Velho e da Alzirinha, imaginando, como feliz e realizado, só mesmo o Palácio do Catete, um palco de comédia vitoriana afinal aberto de par em par à própria vocação.
Getúlio renunciava ou não? Ia driblar todo o mundo como sempre (foi um pré-Romário, Getúlio) ou, vergado pela idade, ia sair de cena como o rei Lear acompanhado de Cordélia-Alzira e do bobo da corte, o bom Gregório? Olhei várias vezes, aflito, minha bola de cristal: negra, opaca como uma bola de piche. Imaginei todos os cenários possíveis do desfecho, como um pré-Aderbal Freire Filho, e afinal organizei minha lista de previsões. Por via das dúvidas, incluí todas. Menos a trágica.
Bem, para encurtar a história, fui dormir às 6h e às 8h acordava em minha casa de Laranjeiras com o eco do tiro que Vargas desfechara no próprio peito. Quando encontrei mais tarde com o dono do jornal, Paulo Bittencourt, disse a ele: "Arranja outro cara, Paulo, para chefia da redação", e me tranquei no gabinete para escrever, sobre o sorridente ditador, um artigo de fundo que ecoava Unamino e se chamava "Do sentimento trágico da vida".
Contei isso, me passando um justo atestado de incompetência, para dizer a Clóvis Rossi que, pela primeira vez e para azar dele, tenho minha carta na manga, minha primeira absoluta certeza política. Nosso presidente em 1998 -caso FHC não se candidate- está escolhido, eleito pelo povo, empossado. Chama-se Ciro Gomes.
Neste momento, Ciro está precisamente no meio de seu exame vestibular para a Presidência, que se faz, como já é do domínio público, em Harvard. Ciro, aliás, está fazendo este curso infalível financiado (US$ 2.000 por mês) pela Fundação Ford, além dos trocados que ganha com palestras e encontros aqui e ali.
Seu companheiro inseparável em Harvard tem sido Mangabeira Unger, neto de Otávio Mangabeira (que em frase imortal caracterizou para sempre, de forma botânica, a democracia brasileira como "plantinha tenra") e que tem todas as bolas de cristal da política brasileira. Acho que sabe mais que o Janio de Freitas, que adivinha, de véspera, até os sonhos que sonhará Reinhold Stephanes.
Ciro, casado, como Vargas Llosa, com uma bela Patrícia, ainda que não a mesma, deixou crescer uma barba rala, mas movimenta com naturalidade seus largos ombros entre os ombros largos dos americanos e lá vive trocando segredos com ninguém menos que Jeffrey Sachs, o mago da economia dos países desesperados, pois acabou com a inflação da própria Bolívia. (Os bolivianos acabaram no mesmo dia, mas isso, como diria nosso olímpico colunista Campos, é pormenor desprezível).
Ciro Gomes, em suma, no dia em que prestar seu exame final de Mr. President em Harvard, pode voltar ao país dos otários e se enrolar todo na faixa auriverde. Fazendo o que ninguém ainda imaginara. Seu primeiro decreto, o grande, o liberador das energias nacionais, aquele que escapou aos sábios cálculos astecas de Carlos Salinas de Gortari, será abolir o idioma pátrio.
Falaremos todos não mais a língua espúria de Emerson Fittipaldi, mas a do próprio Ralph Emerson, língua que não é o inglês, claro, mas americano, americano discreto, tipo Harvard e John F. Kennedy. A propósito da estada de nosso futuro Mr. President em Harvard, sou grato às informações da "Revista de Domingo" do "Jornal do Brasil". Mas reitero que as previsões são minhas.
O México fez tudo direito, mas trocou as placas do carro de boi esquecendo de trocar o eixo principal, o idioma, como se ainda estudasse em Salamanca. Mas Ciro Gomes sabe que jamais passará pelos portões ornamentais ou pisará na capa preta dos bacharéis de Coimbra. Abaixo os idiomas neolatinos, belos, mas emperrados, que vivem a celebrar o homem, a mulher, o amor e outras frioleiras. Abaixo Salamanca, de Cervantes, Coimbra, de Camilo.
Só nos interessa, doravante, a civilização dos poetas mortos, que precisam se esconder da Ford Foundation para usar coroas de pâmpano e esvaziar cântaros do bom verde. We now speak English! Bye, bye, Latin America! Fuck off, you son of a bitch!
Eis, meu caro Rossi, o que dirá Ciro ao chegar ao Palácio da Alvorada em helicóptero da Ford Foundation com Jeffrey Sachs a bordo. Sinto afinal nas minhas cãs os ventos da profecia, Forever.

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