São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 1995
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Redução do consumo -os limites do possível

JOSUÉ SOUTO MAIOR MUSSALÉM

A questão do consumo interno, que tanto preocupa a equipe econômica do governo federal, tem rebatimentos muito mais profundos do que se possa imaginar.
Não é nem será fácil conter o consumo no Brasil. Por várias razões. A primeira delas é que o arsenal de medidas de contenção do consumo que dispõe o Ministério da Fazenda e o Banco Central tem limites bastante conhecidos. O uso da taxa de juros, por exemplo, que tem funcionado como elemento coadjuvante nesse processo de ancoragem do real no câmbio, é limitado pelo peso dessa taxa no volume da dívida interna do Tesouro e do próprio Banco Central. Quanto mais alta a taxa de juros, maior será o tamanho da dívida interna pública brasileira e seu financiamento mais caro.
A segunda limitação está na falta de controle por parte do Banco Central dos agregados monetários. De fato, o BC não conseguiu, desde a implantação do real em 1º de julho de 1994, limitar a expansão da nova moeda. Os tetos fixados para a circulação do real foram todos ultrapassados por várias razões, sendo a remonetização da economia a principal delas.
A expansão monetária, pelo menos durante os nove primeiros meses do real, não pressionou os preços para cima. Mas a falta de controle do Banco Central sobre os agregados monetários funciona como um limitador à ação do banco no que diz respeito à administração da taxa de juros.
O aumento (previsto) do compulsório dos bancos vai funcionar como um limitador do crédito, seja ele vinculado ao financiamento de novos projetos, seja ligado ao crédito direto ao consumidor (CDC), este último já bastante elevado. Isso significa que o juro que inibe o consumo reduz também o investimento.
Cabe agora uma pergunta: por que o governo federal se preocupa com o consumo interno no Brasil quando a partir do início de março deste ano o comércio já dava sinais de exaustão e a indústria mostrava sinais de redução de encomendas? Segundo informações do Serviço de Proteção ao Crédito (vendas a prazo) e do Telecheque (vendas à vista), o mês de março representa um divisor de águas no consumo de bens duráveis no país.
Na verdade, a questão do consumo interno tem correlação direta com a questão cambial. O governo federal, ao limitar as importações através de uma brutal elevação de alíquotas de cem produtos, acendeu a luz amarela para a indústria nacional, notadamente aquela cartelizada.
Sem uma maior capacidade para importar produtos duráveis no curto prazo, o governo perde uma arma importante no combate à elevação exagerada de preços internos de similares por parte de uma indústria acostumada à proteção mercadológica nos últimos 60 anos.
De fato, uma indústria criada à sombra de um processo de substituição de importações iniciado no início dos anos 30 e esgotado nos anos 80 não está acostumada à exposição externa.
Ao aumentar a taxa de juros, o governo federal nada mais fez do que colocar a política monetária como coadjuvante da política cambial. Vale dizer que ao desvalorizar o real, com a implantação do sistema de bandas cambiais, a equipe econômica tentou, preventivamente, evitar remarcações de preços na indústria nacional via aumento paralelo da taxa de juros.
No entanto, a maior limitação da ação do governo em conter o consumo está na existência de uma economia informal cada vez maior no Brasil.
A economia informal, que até agora não foi efetivamente quantificada em nosso país, escapa ao controle das estatísticas oficiais e escapa também às medidas de contenção do consumo.
A única forma que tem o governo para garantir um certo grau de neutralidade dessa economia informal é estabelecer um forte estímulo à caderneta de poupança através de taxas de juros as mais elevadas possíveis.
Neste ponto, volta-se ao círculo vicioso das políticas macroeconômicas repetitivas: o juro sobe, o consumo se reduz, aumenta a taxa média de poupança, cai o nível de investimentos, cai o nível do emprego, cai a arrecadação tributária e cresce o valor da dívida pública interna federal, penalizando o Tesouro Nacional e o próprio Banco Central.
Quando o governo federal anuncia medidas para conter, direta ou indiretamente, o consumo, ele se baseia, via de regra, no comportamento do mercado de São Paulo, e, no máximo, acrescenta as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.
Ao agir com esse referencial de informações, fica esquecida a região Nordeste e a região Norte do país. O Nordeste, por exemplo conta com 46 milhões de habitantes e um PIB formal equivalente a perto de 16,5% do PIB formal brasileiro.
Quando toma medidas anticonsumo para reduzir o consumo da Grande São Paulo se atinge mais fortemente o consumo do Nordeste, cujo nível de geração de emprego e renda é bem menor do que São Paulo, sem falar na questão da distribuição dessa renda.
O que salva o Nordeste é exatamente essa economia informal, por sinal bastante forte na região.
Assim as limitações do governo federal para garantir uma redução do consumo são bem maiores do que se pensa.
Necessárias, sem dúvida, as medidas de contenção do consumo, que começaram com a aplicação de alíquotas elevadas em produtos importados e passam pelo aumento da taxa de juros, precisam ser substituídas, ao longo dos próximos meses, por uma redução eficaz dos gastos públicos e, no próximo ano, por uma também eficaz reforma fiscal tributária.
Se tal reforma não vier no médio prazo, a estabilidade do real estará comprometida.

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