São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 1995
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Ciclo põe em questão o futuro do cinema

Evento em junho discute tecnologias

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O cinema tem futuro? De outro modo, afastando um pouco a excessiva abstração, haverá um segundo século para os filmes? Apocalípticos e otimistas aumentam neste ano as apostas.
Para os primeiros, a imagem eletrônica (vídeo) e a digital (computador) marcaram o enterro do centenário do filme e, por consequência, do cinema.
Já para os segundos, nada superou ou promete tão brevemente superar em durabilidade a imagem registrada em película (filme) e tampouco jamais foi tão influente o cinema.
O primeiro grande evento nacional a se posicionar acontece entre 2 de junho e 2 de julho próximo no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio.
Com curadoria do crítico João Luiz Vieira e da produtora Neon Rio, "A Construção do Futuro: Mais um Século de Cinema" escancara seu engajamento já no título.
Um ciclo com três dezenas de filmes já confirmados e um seminário internacional com especialistas do quilate de Annette Michelson e Robert Stam da New York University e Scott Bukatman da New Mexico University vão pôr a tese à prova, a partir de uma pauta temática.
São quatro as questões principais trabalhadas. A primeira é a da revolução tecnológica, seja no campo da produção (efeitos especiais, principalmente) como no da distribuição-exibição (Imax, TV de alta definição).
As três outras tratam de novas questões estéticas e temáticas presentes no cinema atual: a reflexividade, isto é, o filme como tema de filmes; o experimentalismo de estruturas renovadas; e, por fim, o multiculturalismo, com a pluralização e potencialização dos discursos nacionais e étnicos.
A estudada lista de filmes, reunindo sintomaticamente uma imensa maioria de títulos bem conhecidos pelo público brasileiro, espelha bem os blocos.
O solapamento do realismo e a expansão das fronteiras do possível pelas experiências de "Forrest Gump", "O Exterminador do Futuro 2" e "O Máskara", entre outros, problematizam a nova primavera dos efeitos especiais.
"JFK", "Assassinos por Natureza" e "Os Livros de Próspero" exemplificam a renovação da linguagem.
"O Último Grande Herói", "Matinê" e os filmes de Tarantino reiteram a febre de metacinema. "Calendário" de Atom Egoyan, "Tempo de Viver", de Zhang Yimou, e "Através das Oliveiras", de Kiorastami, destacam a atualidade do debate multicultural.
Não é difícil perceber que os fundamentos do velho e bom cinema parecem mesmo seguros a partir desta pauta. Mas o essencial do cinema como fruição coletiva mantém-se de maneira geral intocado pelas questões destacadas.
Começando pelo fim, o multiculturalismo, a reflexividade e as inovações de linguagem são temas do interior mesmo do fenômeno cinematográfico, nada vinculando-se às suas raízes.
O caso da revolução tecnológica é diferente -ou assim poderia ser. O avanço dos efeitos especiais, impulsionado sobretudo pela informática, tem levantado interessantes debates filosóficos sobre o status das imagens (ver o belo número 3 da regista "Imagens" recém-lançado pela editora da Unicamp), mas não questiona a "situação-cinema", e na verdade a tem reforçado.
O Imax e o Omnimax, que o evento promete apresentar pioneiramente no Brasil, atualizam com o meganegativo (65mm) e a nova arquitetura de salas o sonho do cinema total, da absoluta imersão fílmica já prometida há décadas pelo Cinemascope, Cinema 3-D e variantes.
(Aliás, estreou neste fim de semana em Nova York o primeiro longa de ficção em Imax, "Asas da Coragem", de Jean-Jacques Annaud, prenunciando o fim do documentarismo primário a que o Imax tem sido condenado.)
Mais insondável parece ser o desenvolvimento da imagem digital e da TV de alta definição. Ambos por uma simples razão: o possível impacto sobre a distribuição do audiovisual.
Quando for viável enviar aonde quer que seja imagens de qualidade superior aí sim a "situação-cinema" pode se achar em xeque. O espetáculo social nas salas seria exposto à competição pau a pau do consumo individualizado em casa.
Entra aqui um fator agravante e crucial, infelizmente ausente da pauta de "A Construção do Futuro": a interatividade.
A participação direta do "espectador" na definição das tramas promete confundir o universo das ficções e o dos jogos, volatizar as fronteiras entre autor e consumidor e criar um entretenimento de novo tipo.
A tradição multimilenar da fruição de narrativas pelo homem passaria a sofrer uma rara competição. E o sonho programado das salas escuras poderia tornar-se o sonho consciente dos monitores de cada um.

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