São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 1995
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Serão os deuses do futebol demoniozinhos?

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A conquista do tetra lavou a alma brasileira. Mas foi um golpe mortal na beleza do futebol. Mais que isso: consagrou a bagunça, pois ainda é fresca na memória a dificuldade permanente que Parreira teve, ao longo dos três anos que antecederam a ida aos EUA, para conseguir juntar 11 gatos pingados, a cada amistoso, e vesti-los com a gloriosa camisa nacional.
Ora, se mesmo assim fomos campeões do mundo, pra que mudar? E eis Zagallo às voltas com o crônico e insolúvel problema da falta de um calendário racional e decente para o nosso futebol. Como condená-lo ou louvá-lo pelas convocações que faz, se o critério dominante é o de chamar quem der, não quem merece?
E, como exigir dos Teixeiras da vida um mínimo de organização, se, do topo de sua insensatez, como silente resposta, eles exibirão a insígnia de campeões?
Fico pensando que a maldição de ter ganho em 94 só é comparável à de ter perdido em 82, quando tudo, absolutamente tudo, foi planejado e executado à beira da perfeição, e perdemos, para desconsolo do mundo todo, com exceção, claro, dos italianos.
Será que os deuses dos estádios do mestre Armando Nogueira não passam de hediondos demoniozinhos que aí estão só pra nos infernizar?
Confesso que São Paulo e Corinthians são dois enigmas. Cravei aqui, antes de o torneio começar, o Corinthians como favorito. O tricolor, por Telê e pela excelência de seu meio em diante, poderia dar a volta por cima. Já o Palmeiras dependia de um período de adaptação e estaria com os olhos voltados para a Libertadores. Mas se reaprumou antes do tempo previsto, enquanto os outros dois seguem marcando passo, logo atrás.
No caso do São Paulo, creio que Telê precisa definir uma equipe titular, um esquema (dois ou três volantes) e se fixar nele para obter conjunto neste período que antecede ao campeonato propriamente dito.
O Corinthians parece carecer de uma centelha que lhe acenda o fogo sagrado. Com os jogadores de que dispõe, não pode ser tão acanhado assim.
Pela primeira vez, desde os tempos de Servílio de Oliveira, um boxeador brasileiro me entusiasma. Falo do menino Edson "Xuxa" do Nascimento. Há quem o compare a Eder Jofre. Não acho. Eder tinha a alma de caçador e uma bomba atômica em cada braço. E seu estilo, embora revestido de técnica refinadíssima, revelava, em cada movimento, seu desejo de matar.
Nascimento remete-me mais ao tio ilustre de Eder, Ralph Zumbano, que os americanos chamaram de "A Maravilha Brasileira", na Olimpíada de 48. Não só pelo talhe delgado, mas, sobretudo, pela postura: guarda francesa alta, sempre de perfil para o adversário, invertendo-a em meio aos rounds, com uma naturalidade sutil e imperceptível. Na boca, o gosto pelo nocaute, como uma reverência à estirpe dos Zumbano-Lofredo-Jofre.

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