São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 1995
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'Brasil dos Viajantes' aprofunda exposição

DANIEL PIZA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

'Brasil dos Viajantes' aprofunda exposição
É uma pena que o livro "O Brasil dos Viajantes", lançado anteontem no Rio pela Fundação Odebrecht, não esteja à venda.
Em certo sentido, ele é melhor, ou mais instrutivo, que a bela exposição que fez sucesso no Masp (Museu de Arte de São Paulo) entre 20 de outubro e 18 de dezembro do ano passado.
Mas vai ser apenas distribuído a bibliotecas, museus e outras instituições do Brasil e exterior.
Suas vantagens começam pelo ineditismo: o livro tem 190 imagens a mais do que as 350 da exposição.
Essas 540 imagens resultam da pesquisa coordenada por Ana Maria de Moraes Belluzzo, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo), curadora da exposição e autora do texto do livro.
Belluzzo e uma equipe de dez pesquisadores catalogaram 4.000 imagens produzidas por estrangeiros sobre o Brasil -entre mapas, estampas, tapeçarias, gravuras, telas, desenhos, aquarelas, esculturas e máscaras.
O livro dá uma idéia mais abrangente e consistente dessa pesquisa prodigiosa. Na exposição, a sensação era a de que o espaço deixava a dever para a grandeza do tema e material.
A montagem tentava evitar essa sensação, com a disposição em corredores e efeitos cenográficos, mas não foi o bastante.
No livro, com os textos e o olhar calmo, a assimilação de um universo tão rico é mais frutífera. Ganha-se informação e prazer.
Claro que uma reprodução não substitui um original, em especial as tapeçarias do século 17 da firma parisiense Gobelins e a série de estampas do século 18 atribuída a Joaquim José de Miranda.
Mas o livro é mais que um catálogo ou complemento da exposição; é seu aprofundamento. E recebeu de Victor Burton um tratamento gráfico de primeira.
Os textos, que são um tanto pedantes, mas jamais obscuros, têm alto quilate. Belluzzo situa com grande competência cada grupo de imagens em seu contexto histórico, intelectual e cultural.
Ao tratar, no volume 1 ("Imaginário do Novo Mundo"), das imagens de canibais, Belluzzo vai às idéias dos franceses Montaigne (1533-1592) e Claude Lévi-Strauss, 87, ponto inicial e ponto alto da reflexão sobre indígenas.
Outro exemplo: quando explica no mesmo volume as imagens feitas aqui por retratistas holandeses e franceses no século 17, mostra como a intenção de registro trai, além do fascínio estético, a visão de mundo mecanicista, que pressupõe que todas as coisas possam ser explicadas por leis científicas.
Na sequência do volume, o leitor vê como, passando os séculos, a visão do Novo Mundo passa do preconceito à perplexidade.
Preconceito e perplexidade, justamente, são cada um o tema dos volumes seguintes, respectivamente.
No segundo, "Um Lugar no Universo", analisa-se mais detidamente o imaginário científico, produzido em expedições capitaneadas por estrangeiros, sobretudo alemães no século 19.
No terceiro estuda-se o paisagismo, já que, como as espécimes da flora e da fauna, as vistas de mares e montanhas tropicais encantaram os viajantes visitantes -agora de ângulo mais artístico.
Artístico, por assim dizer. O que os volumes mostram é que arte e ciência diante de um mundo desconhecido -que se julgou inferior e se revelou complexo- têm fronteiras indefinidas. Não há estética sem idéia e vice-versa.

O jornalista DANIEL PIZA viajou a convite da Fundação Odebrecht

Livro: O Brasil dos Viajantes (3 vols.)
Autora: Ana Maria de Moraes Belluzzo
Edição: Fundação Odebrecht
Tiragem: 2.000 exemplares
Distribuição: bibliotecas, museus e centros brasileiros e estrangeiros

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