São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 1995
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Saia do estresse na civilizada Montevidéu

DAVID DREW ZINGG
COLUNISTA DA FOLHA

Erramos: 20/04/95
Montevidéu é a minúscula capital do país mais minúsculo do sul da América do Sul.
Se você sofre de gigantismo paulista, e da alienação generalizada de quem vive constantemente sob insuportável pressão social e dos negócios, visite Montevidéu.
O Uruguai tem 3 milhões de habitantes, um terço deles nesta cidade portuária.
Esse milhão de sortudos ainda vive como as pessoas costumavam viver quando o mundo era um lugar amistoso.
Se um laboratório esperto conseguisse colocar em pílulas a essência da vida nesta civilizada cidade do velho mundo, venderia mais que Prozac.
Montevidéu é uma das poucos remédios geográficos do planeta para o estresse, a doença que mancha o nosso tempo.
"Monte é tão pequena", disse-me certa vez um uruguaio colega de jornal, "que lá não existe um lugar ao qual você não deva ir". O lugar é tão civilizado que, quando você vê uma Jennifer com um cara que tem idade para ser pai dela, ele é mesmo o pai dela.
Os primeiros dias de exploração da capital uruguaia podem ser uma experiência traumática para o visitante de cidade grande.
Quando se é um turista com pavor de andar pelas ruas da própria cidade natal depois que escurece, como suportar a segurança pública de Montevidéu?
No caso de uma dama brasileira, como sobreviver ao choque de descobrir que é possível voltar ao hotel sozinha, a pé, depois de jantar tarde da noite no gracioso centro velho da cidade?
Para o turista que aceita com naturalidade a selvagem falta de modos de uma metrópole "moderna" como São Paulo, Montevidéu reserva mais uma surpresa.
Os uruguaios são tão sinceramente gentis que chegam a desconcertar o forasteiro.
Na última vez em que estive em Montevidéu, pedi instruções a um estranho na rua para chegar a um lugar complicado. Ele imediatamente me levou ao destino -a quatro quarteirões de distância.
Não fui simplesmente conduzido ao tal lugar. Voltei no tempo até uma época mais gentil, a década de 50 no Brasil.
"Monte" é o lugar ideal para voltar no tempo. A cidade velha, refletida nas águas cinza-aço do rio da Prata, me faz lembrar outras cidades do passado, como Alexandria ou Havana ou Barcelona.
A Cidade Velha se estende atrás do que sobrou do velho muro que, no passado, protegia a cidade contra seus muitos invasores.
Essa parte da cidade, para mim, é a alma de "Monte". Os prédios foram conservados (ainda que malconservados), como se cobertos por uma imensa redoma de vidro desde a virada do século.
Ruas sinuosas levam à praça Constitución, o coração do velho bairro histórico.
Tive o privilégio de visitar o imponente Club Uruguay, construído na mesma praça entre 1886 e 1888.
O clube dominou a velha Montevidéu por quase um século. Caminhamos pelo extraordinário salão de baile no andar superior, hoje em reforma. Foi como andar pelo cenário de uma novela histórica da TV Globo.
A Cidade Velha aos poucos vai recuperando o esplendor original, graças a uma iniciativa conjunta liderada pelo governo e por grupos arquitetônicos.
Ao visitante interessado no assunto, recomendo vivamente que procure uma extraordinária publicação chamada "Guia Ciudad Vieja Montevideo", de Julio C. Gaeta. O guia, em formato moderno, descreve detalhadamente o tesouro de prédios históricos de Montevidéu.
Pode ser encontrado na Libreria Inglesa-Britanica, rua Sarandi, 580, Cidade Velha.
Outra maneira de explorar a Cidade Velha, esta mais sociável, é participar dos tours a pé conduzidos por um guia. Esses tours são organizados por uma agência local chamada Caminatur (telefone local 95-9935).
Finalmente, um visitante faminto sempre acabará no altar uruguaio da arte da boa comida e bebida, o Mercado del Porto.
Quando o porto de Monte foi inaugurado, na primavera de 1868, era o melhor de toda a América do Sul. Restam hoje suas casas especializadas em carne, que devem estar entre as mais extraordinárias e agradáveis de todo o mundo.
Comer uma "parrilla" no impressionante cenário de ferro fundido do mercado, na rua Perez Castellano, é ingressar naquela seleta fraternidade de comensais que conheceram o refeitório do céu.
Uma "parrilla" só pode ser descrita como um churrasco que foi à escola e cresceu. A mim parece trazer pedaços de quase todos os bichos que o homem conhece.
Na realidade, tem 15 ou mais cortes e "coisas" de animais como bois, galinhas, carneiros e porcos.
Como "aquecimento" para o prato principal, os restaurantes servem uma variedade estonteante de petiscos -salsichas, linguiças e morcelas (espécie de chouriço em que o sangue de porco é o elemento principal) doces e salgadas. Enquanto espera por uma rodada de "parrilla", o visitante é convidado a entornar algumas doses do clássico drinque aperitivo "medio y medio", mistura gelada de vinhos branco e tinto.
Este é um ritual a ser seguido no Bar Roldos, que já foi considerado um dos cem melhores lugares do planeta para bebedores.
O "medio y medio" tem um curioso efeito: quem bebe um sempre quer mais um. Cuidado: um único "medio y medio" é suficiente para embebedar uma pessoa. Só não lembro se é o 16º ou o 17º.

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Sobre o Uruguai nas págs. 6-11 a 6-13.

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