São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 1995
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Altman expõe parasitismo do mundo fashion

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Erramos: 28/09/95
O filme "M.A.S.H." é ambientado na Guerra da Coréia e não na do Vietnã, conforme publicado na Ilustrada de 21/4.
Filme: Prêt-à-Porter
Direção: Robert Altman
Onde: West Plaza 2, Eldorado 2, Center 3 e circuito

Quando Robert Altman anunciou que faria "Prêt-à-Porter", não fui o único a pensar que o fátuo mundo da alta-costura havia encontrado, finalmente, o seu mais adequado e implacável cronista cinematográfico. Tampouco fui o único a estranhar a entusiástica adesão dos figurões da moda ao projeto. O que esperavam eles de "Prêt-à-Porter"? Uma celebração de suas frivolidades? Não era bem isto que se podia esperar do cineasta que fez o que fez com a guerra do Vietnã ("M.A.S.H"), a música country ("Nashville"), a classe média ("Cerimônia de Casamento"), Hollywood ("O Jogador") e a Califórnia ("Short Cuts").
O alemão Karl Lagerfeld, um dos raros estilistas ressabiados com o projeto, justificou sua deserção da maneira mais franca possível: "Quem for ver um filme sobre moda dirigido pelo sr. Altman irá se lembrar apenas do filme e não das roupas. Receio que ele vá transformar a moda num pesadelo de desenho animado". Podemos xingar Lagerfeld de tudo -de bichona, arrogante, mistificador, autoritário-, menos de ingênuo e imprevidente. O que ele esperava afinal se confirmou. Menos pelos méritos de Altman do que pelos deméritos das roupas em desfile, quase todas iguais em extravagância e mau gosto, logo perfeitamente olvidáveis.
Tomando as dores de sua tribo, o "Führer" da costura teutônica impediu, através da Justiça, que o pesadelo de Altman estreasse na Alemanha, dois meses atrás. Aí, sim, foi ingênuo, aumentando a curiosidade em torno de um filme que, em outros países, pouca receptividade teve, porque o circo da alta-costura é um microcosmo que, a rigor, interessa apenas aos que frequentam o seu picadeiro. Mesmo contando com um elenco de fazer inveja a qualquer festa do Oscar, "Prêt-à-Porter" é um espetáculo um tanto confuso, dispersivo e pouco gratificante para a maioria dos espectadores.
Todos os grandes filmes de Altman são assim: polifônicos, tumultuados e desnorteantes. Neste, porém, a química não deu certo. Quase todas as piadas e gags dão chabu: situações que no roteiro deviam soar engraçadas se ressentem na tela de uma letal frouxidão narrativa, raros personagens tomam corpo e alma em meio à vaudevillesca ciranda armada nos bastidores da "haute couture".
Mas, ao contrário do que disse a crítica estrangeira, "Prêt-à-Porter" não é um monumental fiasco. Talvez porque esperasse o pior (e o pior de Altman costuma ter dimensões ciclópicas), acabei achando o filme agradável de se ver. Qualquer coisa que exponha as ridicularias e o parasitismo do "mundo fashion" pode contar com a minha indulgente simpatia.
Altman não ridiculariza, apenas expõe um ambiente por si só caricatural ao extremo. Fellini talvez fizesse uma sátira devastadora ao narcisismo, aos faniquitos e ao canibalismo que nele vicejam. Menos escrachado, Altman orquestrou uma farsa mimética, disfarçada de documentário, que não se limita a alvejar Jean-Paul Gaultier & cia., mas também o jornalismo irresponsável, representado pelos personagens de Tim Robbins e Julia Roberts, que fazem sua cobertura sem sair do quarto do hotel, copiando tudo da televisão.
Em "Prêt-à-Porter", morte e vida, belo e feio, nus e vestidos, merda e moda rimam entre si -nem sempre com a necessária sutileza, é verdade-, mas que essas rimas tenham sido pensadas é uma prova de que Altman ancorou sua anárquica mise-en-scène num roteiro altamente elaborado. Não o bastante, contudo, para fazer de seu filme "uma reflexão profunda sobre as contradições do mundo ocidental", para usar a expressão de um crítico francês.
A melhor idéia de "Prêt-à-Porter" é, curiosamente, um filme que o cantor Harry Belafonte diz estar filmando em Paris. Nele, Ronald Reagan morre, Nancy Reagan assume a presidência, o coronel Oliver North vira ministro da Saúde e Sidney Poitier assume a direção do American Express. Bem que Altman poderia filmá-lo. Com, espera-se, outro senso de humor e medida.

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