São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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Porão destrói ofícios e conserva fantasmas

EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Parte da história de São Paulo e do Brasil está apodrecendo nos porões e em arquivos improvisados da Assembléia Legislativa paulista. São documentos de grande valor histórico -muitos deles já foram destruídos pela umidade.
Entre os documentos amontoados no porão, há um despacho assinado em 1841 pelo imperador Pedro 2º, quando tinha apenas 15 anos. Ao todo, há ali quase uma tonelada de documentos, entre os quais muitos manuscritos.
O presidente da Assembléia, Ricardo Tripoli (PSDB), quer juntar os documentos que sobreviveram à umidade e ao desleixo para fazer um arquivo da história de São Paulo.
A bibliotecária Célia Atienza e o historiador Francisco Alves da Silva estão encarregados da tarefa.
Eles já conseguiram recuperar parte dos documentos, guardados em arquivos improvisados. A Assembléia nunca se preocupou em preservar essa documentação.
Há inúmeros registros de fatos históricos vividos pelo país, como o protesto, em 1891, dos deputados paulistas contra o fechamento do Congresso pelo Presidente Deodoro da Fonseca.
A primeira Constituição paulista, de 1891, também está lá, em péssimo estado de conservação. Todo o seu texto é escrito a mão.
Também se encontra ali um dos primeiros registros da presença de imigrantes europeus no Brasil. Refere-se à substituição de escravos em estradas de ferro por colonos vindos da Suíça, em 1836.
Ali amontoadas estão mais de 300 pastas com projetos e decretos da época em que São Paulo, a exemplo dos outros Estados, tinha duas casas legislativas -uma Assembléia e um Senado.
O sistema funcionou entre a proclamação da República, em 1889, e a revolução de 1930.
Um dos projetos, de 1899, trata da reforma eleitoral. O texto diz que podem se alistar para votar em São Paulo apenas "cidadãos brasileiros". O texto excluía as mulheres, que só conquistaram o direito de voto em 1934.
O mesmo projeto não dava o direito de voto aos menores de 21 anos, mendigos, analfabetos e religiosos de ordem monástica (que viviam isolados em mosteiros).
Cofres
Os porões da Assembléia guardam outras curiosidades. Dois cofres, um de 17 metros quadrados e outro de 39 metros quadrados, estão intrigando os deputados.
Os cofres foram descobertos em março, quando o presidente da Assembléia visitava as dependências da Casa.
O que eles guardavam? "Nem o Tio Patinhas tem cofres daquele tamanho", diz Trípoli.
Grades de ferro, como as de uma cela, separam o interior dos cofres em dois ambientes. Suas portas são de ferro maciço, com quase meio metro de espessura.
José Oswaldo Valio, diretor-geral e funcionário da Assembléia há 30 anos, acredita que serviam para guardar o dinheiro do pagamento de deputados e funcionários.
Contestação
A versão é contestada pelo ex-governador paulista Abreu Sodré (1967-1971), que presidia a Assembléia quando as obras do prédio foram iniciadas, em 1962. "Não tenho a menor lembrança desses cofres", diz.
Responsável pelo projeto arquitetônico da Assembléia, o arquiteto Adolpho Rubio Morales também desconhece a origem dos cofres. "Isso é estranho. Não estavam lá quando a obra foi feita".
O máximo que Morales lembra é de ter projetado uma área destinada à tesouraria, que fica no primeiro piso da Assembléia, na área correspondente à dos cofres do porão.
Nem a indústria Bernardini, que fabricou os cofres, explica o mistério. O diretor Flávio Bernardini diz que a empresa não guarda registros de vendas tão antigas.

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