São Paulo, domingo, 23 de abril de 1995
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Vereador Turco Loco inventa Dia do Skate

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Por qualquer ângulo que você pretenda ler a história de Alberto Hiar, os fatos se mostrarão sempre à altura do apelido que o acompanha há dez anos: "Turco Loco".
Aos 29 anos, esse filho de feirantes libaneses analfabetos se orgulha de dizer que começou a ganhar a vida aos 9, vendendo trapos de porta em porta no bairro do Ipiranga, na zona sul de São Paulo.
Aos 17, comprou o seu primeiro negócio, uma estamparia falida, pagando por ela uma corrente de ouro, uma bolsa de couro e um fusca "meia-qualquer-coisa".
Hoje é dono de um pequeno império de roupas para jovens, com faturamento anual na casa dos US$ 3 milhões.
Patrocina 30 bandas de rock e rap e se prepara para lançar uma nova marca de roupas em parceria com Igor Cavalera, o baterista e fundador da mais famosa banda brasileira, o Sepultura.
Diante dessa trajetória vitoriosa, parece fácil o seu mais recente desafio: ser levado a sério na Câmara de Vereadores de São Paulo. Parece fácil, mas não é.
Ao assumir definitivamente no dia 15 de março o posto que vinha ocupando como suplente há um ano, Hiar se tornou o mais jovem vereador em ação na cidade. Costuma ir ao plenário de jeans e gravatas com estampas engraçadas, como Betty Boop ou Três Patetas.
Seus primeiros projetos não resistiram sequer ao crivo da Comissão de Justiça da Câmara, que avalia a legalidade das propostas.
Não bastasse, Turco, como é chamado pelos amigos, vem colecionando piadas e gozações de colegas de todas as bancadas, inclusive a sua, o PMDB.
Sobre seu projeto mais querido, o de uma escolinha de surfe destinada a crianças com poucos recursos, Hiar ouviu todo tipo de piada.
A melhor foi dita pelo vereador Aurélio Nomura (PL): "Escola de surfe em São Paulo? Aqui não tem mar. Seria igual a um Ministério da Marinha na Bolívia. Só vai servir para os garotos aprenderem a andar em cima do trem".
Apesar da piada, que hoje nega ter dito, Nomura, 40, jura que votaria a favor do projeto: "É um bom projeto. Quando eu tinha a idade dele, também encarava as coisas assim", diz.
Esta semana, Hiar se prepara para ouvir novas piadas. De olho no segmento que o elegeu, o vereador apresenta os projetos que instituem o Dia do Skate (03.08), o Dia do Surfe (14.09) e o Dia do Rock (21.09).
Não é nada demais, sabendo que existe o Dia da Saudade (30.01), o da Sogra (28.04), o do Futebol (19.07) e o do Samba (02.12) -mas, em se tratando de Turco Loco, tudo pode acontecer.
"Os partidos falam inglês, eu falo japonês. A gente não se entende. O Brasil é o segundo país que mais consome produtos ligados ao surfe no mundo. Os vereadores do PT não entendem isso. Dizem que surfe não é prioridade", se exalta.
Turco Loco vem tendo idéias engenhosas, como a da escolinha de surfe, desde a infância.
Ele se lembra que, quando vendia trapos no Ipiranga, um japonês colocava 10 meninos numa Kombi e os largava pelo bairro, cada um com 60 sacos de farinha.
Uma vez, no carro, Hiar brigou com um menino e rasgou a calça.
"Fui trabalhar com a calça rasgada e percebi que sensibilizei as donas-de-casa. Vendi os sacos mais rápido. Aí, passei a trabalhar todo dia de calça rasgada", conta.
Saltou da feira, no Ipiranga, para o Brás, sede da loja de outro de seus oito irmãos.
Com ele, um atacadista (vende grandes quantidades), aprendeu os segredos do comércio de roupas. "Ele me tratava como escravo".
Quando, aos 17, partiu para o próprio negócio, Hiar já demonstrava jeito para a coisa. As primeiras estampas que fez reproduziam marcas de tênis importados, como Nike e All Star.
"Na época, não eram marcas de ninguém no Brasil. Não considero pirataria", se defende.
"Não queria nem saber. Nunca ganhei tanto dinheiro na minha vida. Eu não contava, eu pesava o dinheiro", se diverte.
A amizade que Turco Loco mantém com dezenas de surfistas desde a época da OM não foi abalada pelo desconhecimento geográfico nem por um outro detalhe prosaico: ele nunca praticou surfe. "Tenho medo de água", confessa.
Sobre cópias e imitações, Turco Loco diz o seguinte: "Eu não crio tudo. Tem algumas coisas que a gente copia. Todo mundo faz isso, mas ninguém admite. O Tufi (Duek, dono da Forum) reclama que as pessoas copiam a marca dele, mas ele copiou a Adidas".
Resposta de Tufi: "Não faço nada que não seja legal. Sou um profissional muito sério. Luto para elevar a imagem da moda no Brasil. Não sei quem é essa pessoa que falou de mim."
Em 86, diante da necessidade de casar com Valéria, a namorada grávida, o protestante (da igreja Renascer) Turco Loco pirou de vez. "Fui vender uns agasalhos muito baratos e coloquei uma faixa na lojinha: 'O turco ficou louco'. Vendi 200 peças num dia".
Começava a nascer o apelido. Depois, num programa de Celso Russomanno, na TV Gazeta, tinha um minuto para vender suas roupas. Gritava, pulava, jogava as camisetas na câmara, batia em Russomanno. "Virei o Turco Loco".
Em 1989, comprou os direitos da marca Vision Streetwear, uma das primeiras, no Brasil, a explorar a maneira de vestir dos jovens das gangues de rua de Los Angeles, com suas calças largas, bermudões e camisas de listras.
Amanhã, às 21h, lança nova coleção da Vision, na União Fraterna (rua Guaicurus, 1, Lapa).
Conheceu os músicos do Sepultura, que gostaram da roupa. Vestiu os músicos, em troca de publicidade gratuita para a marca. Hoje, 30 bandas fazem a mesmo coisa.
"O Turco é um cara de fortíssimo tino comercial e muito bem intencionado. Ajuda muito as bandas", depõe o vj Gastão, da MTV.
"Ele, antes de tudo, é um brother (irmão) meu. A mágica do nosso lance é que não tem papel, é tudo na amizade", confirma Igor Cavalera, do Sepultura.
Pai de dois filhos, Alberto Júnior, 9, e Hanna Wadih Neto, 7, todos corintianos, Turco Loco viaja duas vezes por ano aos EUA, para fazer "trabalho de pesquisa".
Não fuma, não bebe e odeia maconha e cocaína. "O Loco do meu apelido é escrito sem 'u' para ninguém achar que eu sou louco de doidão. Sou louco de loucura mesmo", explica. Ah, bom.

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