São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 1995
Próximo Texto | Índice

Drama urbano do cinema ressurge em fotos

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

A frase mais famosa a que o cinema nacional deu origem é, com toda certeza, esta: "Eu não vejo filme nacional". A exposição "São Paulo em Cena", projeto da Folha e do Banco Nacional que se abre na próxima terça-feira, no Espaço Banco Nacional de Cinema, trabalha na fenda aberta por essa afirmação.
São 23 painéis de fotógrafos da empresa Folha que reinterpretam 23 cenas de filmes que mostram aspectos da cidade de São Paulo desde 1929 ("Fragmentos de Vida") até 1994 ("Alma Corsária").
Com frequência, rejeitamos o cinema nacional como algo que não nos representa. Mas, como conhecer a São Paulo do fim dos anos 20, senão recorrendo a, por exemplo, "Fragmentos de Vida", de José Medina, que nos remete à São Paulo dos barões do café, pré-Revolução de 30?
A imagem bucólica de dois homens olhando para o Palácio das Indústrias (no Parque D. Pedro, região central) cria um quadro de estabilidade. O Palácio é mais que uma paisagem: é referência majestosa de um mundo feito para a permanência. Um mundo que desmoronaria a seguir.
Quando o fotógrafo Fabiano Ramos reconstrói essa cena de "Fragmentos", em 1995, a cidade mudou. O prédio é o mesmo, mas seu significado é bem outro. Procuramos o centro da cidade, e logo duvidamos: qual é o centro? A inquietação se introduz. Algo se deteriora nesse local que voltou a ser o centro simbólico da cidade (o Palácio hoje é sede da Prefeitura).
Um salto para 1957. Gianfrancesco Guarnieri corre em sua bicicleta pela av. Conselheiro Rodrigues Alves (Vila Mariana, zona Sul), em "O Grande Momento", de Roberto Santos.
Ao rever a célebre cena, o fotógrafo Luiz Novaes procura mostrar o que fica e o que muda: há novamente o homem (Flávio, filho de Guarnieri) e a bicicleta. Mas as semelhanças só acentuam a impossibilidade de reconhecer lugar. Elas produzem o estranhamento, ao mesmo tempo em que introduzem a história: nesse salto de 38 anos, a avenida, o homem, a bicicleta, tudo mudou.
Em "Desordem e Progresso", de 1988, Carlos Reichenbach mostra um homem caminhando entre os pombos que levantam vôo, no Pátio do Colégio (região central). O homem, o cenário e os animais não parecem integrar a mesma paisagem. Como se estivessem ali só para acentuar o convívio conflitivo do homem e seu meio.
Na releitura que faz, o fotógrafo Antonio Gaudério abstrai homem e pássaros. Reconstitui o prédio do Pátio do Colégio pela colagem de diversas fotos. Vemos o prédio por inteiro, mas através de uma sucessão de fragmentos tomados de ângulos diferentes.
O conflito enunciado no filme agora torna-se drama arquitetônico: o prédio (reconstituição "fake" feita nos anos 70) é que vira um espaço arbitrário, um lugar para ser olhado, mas nunca ocupado.
Cada um à sua maneira, os outros 20 painéis atualizam o drama urbano de São Paulo.
Expõem, também, o drama do cinema brasileiro: é fragmentário, quebradiço, incapaz de compor uma imagem coerente, da cidade. Mas é na impossibilidade de encontrar uma unidade, no entanto, que este cinema prega uma peça na frase famosa: "Eu não vejo filme nacional". Ele, porém, nos vê.

Exposição: São Paulo em Cenas
Projeto cultural: Folha de S. Paulo e Banco Nacional
Concepção: Celso Fioravante
Coordenação: Eduardo Simantob
Coordenação fotográfica: Adi Leite
Onde: Espaço Banco Nacional de Cinema e Anexo (r. Augusta, 1.475 e 1.470, tel. 011/288-6780)
Quando: abertura para convidados, dia 2 de maio, às 20h30; aberta ao público de 3 de maio a 15 de junho
Apoios: Fapesp, Cinemateca Brasileira e ECA-USP
Patrocínio: Max 35 Filmes

Próximo Texto: FILMES, DIRETORES E FOTÓGRAFOS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.