São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 1995
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'Justa Causa' suja currículo de Connery

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Filme: Justa Causa (Just Cause)
Produção: EUA, 1995
Direção: Arne Glimcher
Elenco: Sean Connery, Laurence Fishburne, Kate Capshaw, Ed Harris e Blair Underwood
Onde: Ipiranga 1, Bristol, Estação Lumière 1, Center Iguatemi 3 e circuito

"Justa Causa" começa mal e termina pior ainda. Logo na sequência de abertura, uma ofensa à inteligência do espectador. Não dá para acreditar na instantânea conversão de George Plimpton às teses de Sean Connery contra a pena de morte, durante um debate na Universidade de Harvard. E a reviravolta final? Putz! Qualquer semelhança com o pantanoso epílogo de "Cabo de Medo" não é mera coincidência.
Entre essas duas extremidades, um chorrilho de apelações e lugares-comuns. A certa altura, uma criança se dá conta de que esqueceu seu ursinho de pelúcia no quarto do hotel e volta para pegá-lo. Era só o que o vilão, de tocaia, esperava. Já vimos aquela cena mil vezes na tela. Haja saco.
As primeiras sequências prenunciam um filme politicamente correto, contra a pena capital e o racismo. As seguintes confirmam o que se podia esperar de Arne Glimcher: um thriller convencional, com situações forçadas, personagens ocos e idéias roubadas a outros exercícios de suspense. Em "Os Reis do Mambo", Glimcher fez um coquetel de Charles Vidor com Busby Berkeley, Bob Fosse e Martin Scorsese. Em "Justa Causa", ele conseguiu a proeza de cruzar "No Calor da Noite" com "Pacto Sinistro" e "O Silêncio dos Inocentes". Com a inestimável ajuda de John Katzenbach, ex-repórter de polícia do "Miami Herald", autor da história original.
Espanta menos saber que ela quase acabou nas mãos de Milos Forman e Norman Jewison (por sinal, diretor do superestimado "No Calor da Noite") do que vê-la co-patrocinada por Sean Connery, produtor-executivo do filme. Connery não precisava dessa bobagem em seu glorioso currículo. Deixou-se seduzir pelo edificante perfil de seu personagem, Paul Armstrong (no romance, jornalista), um modelo de retidão e coragem. Advogado aposentado, Armstrong ensina direito em Harvard e sai de seus cuidados para provar a inocência de um jovem negro da Flórida, Bobby Earl (Blair Underwood), no assassinato de uma menina, que além de branca era a maior amiga da filha de um tira negro, Tanny Brown (Laurence Fishburne), bem mais para Rod Steiger do que para Sidney Poitier.
Como Bobby Earl é bem apessoado, filho da respeitável Ruby Dee e ganhou uma bolsa de estudos para a Universidade de Cornell, não há como duvidar de sua inocência. Não bastasse, sua confissão foi obtida sob tortura, comandada por Tanny Brown, que Fishburne se esmera em transformar numa figura repulsiva. Com o bem e o mal tão claramente definidos, só resta à platéia esperar que o caso seja reaberto e Bobby Earl, inocentado. É justamente isso que acontece.
The end? Não. Você consulta o relógio e verifica que ainda tem muito filme pela frente -mas nenhuma outra história para contar. Suspeita imediata: reviravolta à vista. Única hipótese admissível: o rapaz é, mesmo, culpado. Ocorre que o suposto assassino (Ed Harris), abertamente inspirado no canibalesco Hannibal Lecter de "O Silêncio dos Inocentes", participou da farsa. É nessa encruzilhada que o filme apela para as mumunhas de Thomas Harris e Patricia Highsmith.
Onde e quando Bobby Earl e o "serial killer" fizeram o seu "pacto sinistro"? O filme não esclarece. Aparentemente, foi dentro do presídio. Mas de lá Bobby Earl nunca poderia ter saído para cumprir seu trato. Outra dúvida: por que a mulher de Armstrong, Laurie (Kate Capshaw), escondeu do marido que havia atuado como promotora em outro julgamento de Bobby Earl? E mais outra: como, apesar de estreitamente vigiado no Corredor da Morte, o "serial killer" consegue fazer chantagens pelo telefone?
Com tantas dúvidas assim, "Justa Causa" mais parece um interrogatório policial do que um filme. Por sinal, já no título sujeito a restrições. A melhor tradução para "Just Cause" é "Causa Justa". A mais adequada, contudo, seria "Calça Justa".

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