São Paulo, sábado, 29 de abril de 1995
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Rei morto, rei posto

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE

Você quer cultuar uns dos maiores pilotos de todos os tempos que, como um verdadeiro herói, morreu durante sua missão, defendendo as cores de seu país?
Em tempos modernos, basta passar na loja e comprar um óculos feito em titânio que custa US$ 300.
Além de causar sensação na praia, você estará colaborando para erradicar a fome das crianças brasileiras.
Coisas como ter pôster no quarto e assistir corrida antiga gravada no vídeo, não estão com nada. Pois, afinal, não ajudam a manter o sonho do nosso herói, que se espatifou há um ano na Tamburello.
Por isso, devemos associar nossas ânsias consumistas com o conveniente paliativo de estar ajudando os mais necessitados.
Lamento, mas isto é história para boi dormir.
Senna morreu há um ano e seu nome e imagem estão sendo utilizados para gerar lucros, por mais que os royalties sejam destinados para programa disso ou daquilo.
Seria muito mais ético chegar para as pessoas que ganharam dinheiro no rabo do foguete que foi Senna e cobrar, de cada um, a cota devida.
Muita gente chorou a morte de Senna. Via satélite, o público não quis acreditar na morte transmitida ao vivo. No funeral, não houve jeito. Era mais fácil ceder à catarse coletiva, impulsionada pela TV.
Depois de um ano, passada a comoção, aparecem as distorções.
Como a da namorada, que sorri ao contar que pensa em lançar um perfume, e que chora ao recordar a paixão interrompida.
Como a aposta exagerada em Barrichello, que recebe tratamento de superpiloto sem ainda ter alcançado este nível.
Um imediatismo daninho, que pode prejudicá-lo mais tarde.
E, o paradoxo, o decreto de alguns que dão como certo o fim próximo da maior categoria do automobilismo mundial, num estalar de dedos.
Senna morreu e no lugar dele fabricaram um outro Senna, que dá lucro, que serve aos interesses imediatistas, que justifica uma porção de bobagens.
Como não haverá outro igual por um bom tempo, o negócio é utilizar o que sobrou, da melhor forma possível. Da maneira mais rentável.
De qualquer forma, o verdadeiro fã continuará, a sua maneira, a venerar seu herói. Como muitos cultuam outros heróis mortos nas pistas. Não precisam de óculos de titânio.

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