São Paulo, terça-feira, 2 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Agenda para a expansão do setor elétrico

DANILO DE SOUZA DIAS; ADRIANO PIRES RODRIGUES

DANILO DE SOUZA DIAS e ADRIANO PIRES RODRIGUES
Em 1993, um elenco de reformas básicas (encontro de contas, desequalização, Lei dos Consórcios, Sintrel etc.) deu partida no processo de modernização do setor elétrico. Já no ano seguinte, marcado pelo signo da fracassada revisão constitucional, no primeiro semestre, e das eleições presidenciais, no segundo semestre, pouco avançou-se nas reformas do setor elétrico brasileiro, que permaneceu, durante todo esse tempo, à espera das definições políticas que iriam, finalmente, determinar as modalidades concretas de regulamentação do artigo 175 da Constituição Federal -vale dizer, do projeto de lei de concessão de serviços públicos no Brasil.
Esse desfecho acabou ocorrendo logo ao início da nova administração, com a aprovação do projeto de lei do Senado nº 179/1990 (nº 202/91, na Câmara dos Deputados) e, subsequentemente, da medida provisória nº 890, reeditada sob o nº 937, em 14/3/95.
Com esses dois dispositivos ficam conquistadas, definitivamente, as precondições para que o setor elétrico brasileiro ingresse em uma nova fase, em que a garantia de suprimento seja atingida em regime de competitividade e com níveis de eficiência técnica e qualidade de serviço elevados.
Apesar de todo o empenho político demonstrado pelo governo atual -fator determinante na aprovação da Lei de Concessões logo ao início do mandato- muito ainda resta a ser equacionado para que a nova fase do setor elétrico brasileiro saia de um estágio meramente conceitual e desemboque em realizações concretas, vale dizer, em canteiros de obras efetivamente reativados.
Com efeito, o novo ciclo de investimentos, a ser inaugurado com o aporte significativo de capitais privados, vai requerer ambiente econômico e regulação setorial estáveis e transparentes. Do ponto de vista macroeconômico, isso significa a consolidação do Plano Real através de uma administração e um controle finos, sem sobressaltos e não admitindo retrocessos.
Em nível setorial, o Ministério das Minas e Energia levantou a existência de 5.410 MW de hidrelétricas interrompidas, aguardando plano de conclusão, e 1.050 MW de origem térmica nas mesmas condições. No que diz respeito a usinas não iniciadas constantes do plano de expansão, outros 10.500 MW de origem hídrica e 4.400 MW de origem térmica somam-se ao potencial anterior, perfazendo um total de 21.360 MW aptos para licitação, mediante a nova lei, ou para consórcios, de acordo com o dispositivo legal aprovado em 1993 (lei 915).
Estes projetos representam cerca de US$ 23 bilhões em investimentos, que não mais serão alavancados de forma centralizada como no passado. Ao contrário, a mobilização desses recursos se dará caso a caso, segundo as características específicas de cada projeto e mediante uma arquitetura contratual associando capitais de risco, financiadores, operadores, construtores, fornecedores e compradores de energia, cujas possibilidades de negócio serão tanto maiores quanto mais claras e estáveis forem as condições políticas e regulatórias que, em uma última instância, balizarão a obtenção de um fluxo de caixa futuro e, em consequência, de uma taxa de retorno atrativa para o projeto como um todo.
Nesse sentido, pelo menos três ações concretas podem ser consideradas condições ``sine qua non" à retomada efetiva dos investimentos no setor, as quais, independentemente do modelo institucional a ser adotado no futuro, determinarão, em grande medida, o grau de transparência que permeará as novas regras do jogo.
A primeira delas refere-se, justamente, à aprovação do dispositivo legal que regulamenta a atividade de produção independente de energia elétrica no país, pois dela depende o próprio surgimento de um dos atores mais relevantes do novo cenário. Neste particular, é de fundamental importância que o aparato legal que legitima a figura do produtor independente seja acompanhado de medidas concretas que possibilitem a este novo agente o livre acesso ao combustível que irá alimentar as novas centrais, seja ele carvão, petróleo ou gás natural.
A segunda ação refere-se à efetiva entrada em operação do Sistema Nacional de Transmissão, o Sintrel. Em termos conceituais, a construção de um amplo sistema nacional de transmissão com ``open-access" já se encontra delineada em texto legal, restando ainda equacionar o problema das concessões não-federais de transmissão que continuam em vigência.
Uma vez equacionados os aspectos relativos ao livre acesso à malha de transmissão, resta ainda estabelecer regras e preceitos tarifários que permitam o uso compartilhado dos recursos de transmissão pelas concessionárias tradicionais e pelos agentes privados.
A última das ações de curto prazo que o setor elétrico requer consistiria na reformulação e no fortalecimento do órgão regulador. É de suma importância que a nova autoridade regulatória goze de plena autonomia, a exemplo do que ocorre com a autoridade monetária (bancos centrais) em diversos países do mundo.
Para isto, a discussão acerca da dependência funcional do Dnaee (Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica) em relação aos demais órgãos públicos envolvidos na questão energética, da composição dos seus membros, da sua designação, da duração dos seus mandatos e das condições de estabilidade e substituição dos seus componentes deve ser travada com a maior rapidez.
Por último, todo esse processo de mudanças estruturais deve ser referendado, no curtíssimo prazo, por atitudes concretas e firmes que sinalizem claramente ao mercado objetivos e intenções do governo. Para tanto, privatizar a Escelsa e a Light -em datas precisas que, uma vez fixadas, não sejam mais alteradas- é importantíssimo indicador da vontade política do governo de promover as reformas setoriais.
Na mesma ordem de idéias, após a edição da medida provisória 937, é fundamental dar uma solução rápida para as pendências jurídicas que, até aqui, têm impedido a conclusão dos processos licitatórios das hidrelétricas de Itá, Igarapava e Serra da Mesa, deflagradas a partir da lei dos consórcios de 1993.
O Brasil tem dado grandes passos no sentido da modernização do seu setor de infra-estrutura e, mais especificamente, do setor elétrico. Esperamos que os comentários aqui desenvolvidos contribuam, de alguma maneira, para que a vontade política até aqui demonstrada traduza-se em fatos concretos que rompam, definitivamente, com o imobilismo que há anos vem impedindo a entrada do setor elétrico em novo ciclo expansivo.

DANILO DE SOUZA DIAS, 38, é doutor em economia de energia pelo Instituto Francês de Petróleo.

ADRIANO PIRES RODRIGUES, 36, é doutor em economia industrial pela Universidade Paris 13.
Ambos são professores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e autores, dentre outros títulos, de ``Estado e Energia Elétrica" (Editora IL/RJ).

Texto Anterior: Grupo desmobiliza; Resultado do exercício; Malhação incentivada; Passivo a liquidar; Novo projeto; Equipamentos militares; Serviço de bordo; Grande negócio; Duplo reconhecimento
Próximo Texto: Grupo demite 20 executivos do Barings
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.