São Paulo, quarta-feira, 3 de maio de 1995
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Van Peebles militam pelos Panteras Negras

ANA MARIA BAHIANA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

Quase três décadas depois de seu aparecimento, rápido e fulminante apogeu e igualmente rápido e fulminante desaparecimento, os Black Panthers, controvertido grupo militante negro dos anos 60, está de volta.
Não na vida real -na qual, aliás, nunca deixaram de existir, ainda que em silenciosa minoria-, mas na tela, graças ao filme ``Panther", escrito e co-produzido por um ex-simpatizante, o cineasta negro Melvin Van Peebles, e dirigido e co-produzido pelo filho dele, Mario Van Peebles, criador de ``New Jack City" e do ``western black" ``Posse".
O filme -que estréia semana que vem nos Estados Unidos- promete reacender a controvérsia em torno dos Panteras Negras.
Escrito e dirigido com paixão de militante, ``Panther" mistura, num ritmo ágil e vigoroso, fatos, ficção e simplificação histórica com a mesma energia atordoadora dos melhores filmes de Spike Lee e Oliver Stone.
Com um elenco de jovens estreantes, salpicado por aparições de astros de rap e de Angela Basset reprisando o papel de viúva de Malcolm X, ``Panther" segue os Panteras do seu nascimento nas ruas do gueto de Oakland, em 66, ao auge de sua militância contra as desigualdades sociais e a brutalidade policial, em 67.
O retrato é simpático ao movimento: os Panteras são mostrados como um grupo jovem e idealista, decidido a elevar o nível de vida e de consciência de sua comunidade.
O apoio ao ataque armado é mostrado como consequência do endurecimento do ``establishment" branco e da ascensão de Eldridge Cleaver (Anthony Griffith), ex-jornalista da revista comunista ``Ramparts", ao comando da organização, no vácuo criado pela prisão do idealizador dos Panteras, Huey Newton (Marcus Chong).
O momento mais controvertido e interessante de ``Panther", no entanto, é sua versão para o fim virtual do movimento: como vítima de uma conspiração do FBI, ordenada pessoalmente pelo diretor Edgar Hoover, que incluía a disseminação da heroína e do crack nos guetos onde o grupo era mais influente, para solapar sua base de sustentação.
Melvin e Mario Van Peebles falaram à Folha no set de filmagem de ``Panther", em Baldwin Hills, um bairro operário a leste de Los Angeles que substituiu Oakland na maior parte das cenas externas.

Folha - Qual foi seu envolvimento com os Panteras Negras?
Melvin Van Peebles - Fui um amigo, um companheiro de viagem. Um simpatizante. Organizava festas beneficentes, churrascos, shows ao ar livre para levantar dinheiro para a causa.
Mario Van Peebles - Eu cresci ouvindo essas histórias do meu pai e, desde que me envolvi com cinema, tenho pensado em contar esta saga. Porque a minha geração não sabe nada a respeito dos Panteras Negras a não ser o que a campanha de desinformação do ``establishment" havia nos apresentado esses anos todos. Achei que estava na hora de equilibrar a balança.
Folha - Os Panteras Negras teriam sido vítimas, então, de uma campanha deliberada de difamação?
Melvin - É claro! A história é escrita pelos vitoriosos, não é? As poucas pessoas que ainda se recordam dos Panteras, hoje, têm deles essa imagem de um grupo de ódio, racista, contra os brancos. Um grupo extremamente violento.
Esses não são os Panteras que eu conheci. Conheci um grupo de base, envolvido com a comunidade, que praticava a autodefesa e o autoconhecimento. O FBI lançou uma campanha de desmoralização dos Panteras, e devo dizer que foi uma campanha muito eficiente.
Mario - Eis o problema: se você tem um movimento importante, com uma liderança legitimizada pela comunidade, e esse líder morre, você cria um herói. Malcolm X, Martin Luther King.
Agora, com os Panteras, o FBI partiu para a destruição das bases, com propaganda, com drogas. Hoover foi muito bem-sucedido. Ele disse: ``Não haverá um outro Messias negro porque não vamos criar um". E, de fato, nunca mais tivemos uma liderança negra com essa influência na comunidade.
Folha - Vocês acreditam que as drogas foram infiltradas nos guetos por ordem do FBI?
Melvin - Não tenho dúvidas. Essa é a premissa básica do roteiro. Todo o problema de drogas que temos hoje nos EUA pode ser ligado ao desmantelamento dos Panteras, à necessidade do FBI de adormecer a comunidade para tirá-la da influência dos Panteras.
Mario - A consciência política dos Panteras, e o fato de estarem fazendo alianças com outros grupos, especialmente com a juventude branca, lançou o FBI num estado de pânico. O contra-ataque veio primeiro sob a forma de propaganda, mostrando os Panteras como antibrancos. Quando não funcionou, vieram as drogas pesadas. A comunidade foi anestesiada.
Folha - Que reação vocês esperam provocar com este filme, hoje?
Melvin - O importante é retificar a história, contar o outro lado. Não sou um sociólogo ou cientista político, sou um escritor.
Mario - Quero que uma platéia jovem venha ver o filme. Para aprender o que não está nas aulas de história, que só levam em conta a cultura dominante, mas também para dar importância ao auto-respeito e à consciência política.

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