São Paulo, sexta-feira, 5 de maio de 1995
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Bernardet constrói São Paulo aberrante

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Filme: São Paulo - Sinfonia e Cacofonia
Direção: Jean-Claude Bernardet
Montagem: Maria Dora Mourão
Onde: anexo 4 do Banco Nacional

Em dado momento de ``São Paulo - Sinfonia e Cacofonia" -estréia no longa do crítico e romancista Jean-Claude Bernadet-, Gianfrancesco Guarnieri aproxima-se de uma bicicleta. A cena vem de ``O Grande Momento", de Roberto Santos, onde se pode ver um dos mais líricos momentos já filmados em São Paulo.
A cena do passeio não está no filme: há um corte seco e, de certo modo, frustrante. Como se o diretor quisesse fugir ao lugar-comum, ao celebrado, desarmando o espectador e suas expectativas.
Mas essa intenção, demasiado teórica, não se ajusta a um filme tão passional. Bernadet agrupou cenas de São Paulo tal como vista pelo cinema. Ou melhor, tal como o diretor a viu nas salas de cinema. Na medida em que as cenas se articulam, percebemos que o objetivo não é fazer um recenseamento das imagens paulistanas nem rearticular o espaço da cidade.
Trata-se, antes de tudo, de mostrar um sentimento sobre São Paulo: uma cidade sem centro, sem referência, sucessão de linhas contraditórias entre si e, em particular, com a idéia de vida. Um lugar onde a existência é não-desejada, quando não impossível.
Digamos, no chute, que quatro quintos da produção cinematográfica paulistana exprime sentimentos contraditórios de amor e ódio. A montagem das cenas em ``São Paulo" atribui novo sentido a essas imagens. Cada fragmento está lá para ser um fragmento, produz uma espécie de fricção de São Paulo como metrópole aberrante, como uma ficção construída para a produzir a morte.
É uma visão extremamente pessoal, o que significa dizer: ``São Paulo" não é filme de montagem, nem de crítico, nem de professor. É um filme de autor, no sentido em que usa os filmes para anular imagens preexistentes da cidade e reconstruí-la conforme a experiência e os sentimentos do realizador. É uma cidade sinistra, sem lugar para o gozo, a vadiagem saudável.
A sonoridade do filme, apoiada na música de Lívio Tragtenberg e Wilson Sukorski, tende a enfatizar demais algo sobre o que a associação das imagens não deixa dúvidas. Com isso, produz um efeito massacrante que vem menos da São Paulo-que-o-filme-vê e mais, talvez, da incerteza quanto à clareza das idéias criadas com a associação de fragmentos díspares.
Se essa associação nos lança no território da ambiguidade, o som trata de restabelecer uma homogeneidade de olhar que priva "São Paulo" de contraponto.

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