São Paulo, sábado, 6 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Freira pró-aborto defende em SP mulheres 'excluídas'

Ivone Gebara enfrenta processo no Vaticano por suas posições

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Um ano e meio após defender publicamente a legalização do aborto, a freira brasileira Ivone Gebara, 50, ainda digere as boas e más consequências do gesto que a tornou célebre em todo o mundo.
Irmã Ivone se transformou, à sua revelia, numa espécie de heroína entre mulheres de baixa renda -especialmente adolescentes grávidas, prostitutas ou portadoras do vírus da Aids.
Por outro lado, no momento é alvo de um processo que está em curso na Congregação da Doutrina da Fé, o órgão do Vaticano responsável pela fidelidade aos dogmas cristãos.
A freira mora na periferia de Recife, mas não cansa de participar de seminários e debates em todo o país, como o que a Folha assistiu ontem.
O evento, que se encerra hoje, está sendo realizado no convento do Carmo, em São Paulo.
Foi promovido e divulgado publicamente pelo Serviço à Mulher Marginalizada, uma ONG (organização não-governamental) ligada à igreja.
``A nossa sociedade se estrutura a partir de uma frase: `Você não tem valor'. O nosso meio sacraliza a exclusão e as prostitutas acabam introjetando essa exclusão", disse irmã Ivone a uma platéia de 40 assistentes sociais, educadoras e professoras.
Na palestra, ela adota uma perspectiva que chama de ``ecofeminista", apontando uma relação ``entre a exploração da natureza e a exploração da mulher".
O aborto não integra a pauta do encontro, intitulado ``Mulher, da exclusão à construção numa nova humanidade", mas a questão sempre surge nesses debates e a freira não foge dela.
``Não defendo o aborto como meio anticoncepcional, mas como um ato violento numa sociedade eivada de violência", diz ela ao público
``Adoto uma postura pragmática, que não nega a utopia de um mundo melhor. Mas essa utopia não pode ser imposta, de forma que cause, inclusive, mortes", diz irmã Ivone, se referindo a mulheres de baixa renda que ela viu morreram em consequência da realização de abortos clandestinos.
A freira admite a presença da reportagem no debate público, mas se recusa a dar entrevistas.
Ivone Gebara teme ser mal interpretada no momento em que suas declarações passam pelo crivo do Vaticano.
O processo, sigiloso, pode resultar em punição à freira.
Irmã Ivone pode, por exemplo, ser convocada a fazer um curso para sanar ``imprecisões" teológicas em seu discurso.
Se isso ocorrer, provavelmente o curso será feito em Paris, onde fica a base da Congregação Irmãs de Nossa Senhora, a que pertence a freira.
Uma outra punição conhecida a que está sujeita é a proibição de se manifestar publicamente sobre qualquer assunto, o chamado silêncio obsequioso.
Essa foi a punição imposta pelo Vaticano ao teólogo Leonardo Boff, defensor da Teologia da Libertação.
Doutora em filosofia pela PUC-SP, Ivone Gebara passou parte do ano de 1994 em Nova York, dando aulas sobre teologia feminista na América Latina numa universidade ecumênica.

Texto Anterior: CUT decide negociar reformas com governo
Próximo Texto: Presidente é criticado em seminário
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.