São Paulo, sábado, 6 de maio de 1995
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Gal passa sabão no estilo em novo trabalho

LUÍS ANTÔNIO GIRON
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A cantora baiana Gal Costa, 49, se diz cansada de sair à cata de canções novas.
Seu novo CD, ``Mina D'Água do Meu Canto" tem apenas um samba inédito de Chico Buarque e Caetano Veloso, feito em homenagem ao compositor Tom Jobim (1927-1994). As 16 faixas restantes são composições bem conhecidas dos dois autores.
O repertório forma o corpo principal do show de mesmo nome, que estréia em Salvador na próxima sexta-feira (leia texto ao lado).
A novidade está na forma da interpretação. Gal pretende trazer de volta a Maria da Graça do início da carreira que se espelhava em João Gilberto e Chet Baker.
``Chequei a um ponto da minha vida em que não tenho mais saco de procurar música inédita", disse anteontem no saguão do condomínio à beira-mar onde mora, na zona sul do Rio. ``Vou gravar os compositores que eu admiro."
Os primeiros da lista são Chico, Caetano e Jobim. Com este planejava gravar um disco logo depois que Tom voltasse de Nova York.
``Não houve tempo", lamenta. ``Pouco antes da angioplastia que o matou, ele me encorajou por telefone a gravar o disco. Havíamos ensaiado muitas músicas na casa dele, e o trabalho só não saiu antes porque as gravadoras BMG Ariola e Polygram brigaram por direitos de distribuição. Demos um tempo para que elas se acertassem..."
Gal deseja enveredar pelos ``songbooks". Quer ainda gravar CDs com as obras de Assis Valente, Paulinho da Viola e, quem sabe, lançar outro CD com músicas de Chico e Caetano.
``O cancioneiro nacional é tão rico que me vejo na obrigação de revelá-lo", comenta. ``Adorei quando a presidência da gravadora me sugeriu radicalizar o trabalho em Chico e Caetano."
Há um laivo de ironia na última frase. Gal não nutre admiração pela produção do pop brasileiro contemporâneo: ``Há três anos não recebo fitas e me parece que ele anda meio pobre. Eu gostaria de descobrir um compositor novo."
Compensa a avaliação voltando-se para si mesma, no gosto formado no tempo em que era balconista de loja de discos em Salvador ``para ter o que comer em casa". Ouvia os músicos que viriam a formar sua pesonalidade: João Gilberto (``sempre"), Dalva de Oliveira e Ângela Maria.
``Quando comecei me chamaram de João Gilberto de saias. Ele me influenciou mais do que as cantoras. Nele eu admiro o uso econômico do vibrato, colocado uma vez só em cada música."
No CD e no show, Gal quer reafirmar a ``joão-gilbertice". Despe-se da idéia que o público adquiriu do nome Gal nos últimos 20 anos: ``Passei o sabão na Gal que sabe cantar bem, tem uma técnica apurada e um tipo de abordagem. Quero zerar e começar de novo".
É força de expressão. Gal segura firme as rédeas de sua linguagem. Elabora cada canção com um perfeccionismo que lhe permite, por exemplo, cortar um ``take" que soe emocionado demais.
``Não sei cantar chorando, como a Elis fazia. Sou pelo equilíbrio da emoção e da técnica. Quando as três cantoras eram eu Bethânia e Elis, eu era o ponto médio entre o jorro emocional daquela e a perícia desta."
Sua utopia é a interpretação definitiva, que esgote e simultaneamente eternize a canção.
Define um método: ``Levo muito tempo até chegar a um resultado. Concentro-me em exprimir o canto. O cantor tem que dizer a letra, saber dividi-la. Penso no diafragma, exploro a tessitura".
O que não a impede de se comover quando canta. ``Tem vezes que o coração dispara e a garganta aperta. Daí a voz não sai precisa."
No novo trabalho, quer trazer um pouco dessa espontaneidade, ``cantar como passarinho".
Ainda assim, não grava em estúdio ao vivo. Mantém o procedimento clássico de gravação. Voz e arranjo são registrados em momentos diferentes e mixados.
Não se sentiria à vontade dominando a produção por não escrever arranjos. ``Não sei ler música, mas tudo passa pelo meu crivo."
Reconhece suas lições em duas cantoras atuais: Marisa Monte e Zizi Possi. ``A Marisa não canta igual a mim. Tem influência. Zizi também. Quando ela estreou, a Bethânia me chamou a atenção para a semelhança do timbre. Ambas têm estilo. A referência delas está em mim, em Elis e em Bethânia."
Gal sabe do seu mito, e beber da própria fonte.

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