São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995
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Gordon diz que Castello aceitaria envio de tropas

DANIELA ROCHA
ENVIADA ESPECIAL A WASHINGTON

O presidente Castello Branco considerou a hipótese de mandar tropas brasileiras ao Vietnã. A decisão estava condicionada à aprovação na ONU (Organização das Nações Unidas) do envio de tropas multinacionais à guerra, o que não aconteceu.
O embaixador americano no Brasil na época -entre 1961 e 1966- era Lincoln Gordon. Ele confirmou ter levado a Castello Branco o pedido do governo norte-americano para que o Brasil desse alguma ``contribuição", de preferência com tropas. ``Mas eu achava a idéia terrível", afirmou.
Sua saída foi declarar ao governo americano que uma pequena participação de tropas brasileiras não traria a vitória.
Sem aprovação da ONU, a discussão só seria retomada alguns anos mais tarde, quando John Tuthill assumiu o posto de embaixador dos EUA no Brasil (leia texto nesta página).
Lincoln Gordon atualmente é pesquisador da Brookings Institution, que reúne intelectuais nas áreas de economia, política internacional e governamental. Continua praticando seu sagrado tênis cinco vezes por semana. ``Jogo bem para quem tem 81 anos."
Leia a seguir trechos da entrevista de Gordon concedida à Folha na última quinta-feira na Brookings Institution, em Washington.

Folha - O governo norte-americano sugeriu ao Brasil enviar tropas à Guerra do Vietnã?
Lincoln Gordon - Telegramas foram enviados em 1965, após a intervenção na República Dominicana. Castello Branco disse que, se houvesse uma resolução da ONU para o envio de tropas multinacionais à Guerra do Vietnã, o Brasil seria favorável à resolução.
Mas a aceitação dessa resolução no Conselho de Segurança das Nações Unidas era improvável. Acredito que essa votação nunca aconteceu; se tivesse acontecido, é óbvio que China e Rússia, membros do Conselho Permanente, não permitiriam sua aprovação.
Eu era contra o envio de tropas brasileiras. Passei aquela noite escrevendo longos telegramas em que alertava que o envio de soldados brasileiros era uma questão muito delicada, que mexeria com a opinião pública no Brasil. Lembrava ainda a participação brasileira na intervenção da República Dominicana, demonstrando a disposição do governo brasileiro de cooperar com os EUA.
Folha - A idéia de tropas brasileiras partiu do presidente Lyndon Johnson?
Gordon - Por volta de julho de 1965, o governo americano determinou a todos os seus embaixadores que conversassem com os presidentes e ministros das Relações Exteriores e da Defesa para tentar convencê-los a contribuir com a guerra.
O presidente Lyndon Johnson estava muito ansioso para receber algum tipo de colaboração, ainda que fosse apenas simbólica.
Nessa época, o Brasil enviou suprimentos médicos e café. Claro que Johnson preferia que o Brasil tivesse participado com alguns soldados, tropas se possível.
Lembro-me vagamente de que primeiro recebi uma instrução de encaminhar ao governo brasileiro a consideração do envio de tropas. Minha primeira reação foi de achar essa idéia ruim.
Folha - Por quê?
Gordon - Criaria uma série de tensões. O Brasil vivia os primeiros momentos de recuperação econômica. Entrar em uma guerra ao lado dos Estados Unidos seria contraproducente. Eu enviei uma resposta desencorajando aquela aproximação. Pessoalmente, achava a idéia terrível.
Se o Brasil participasse enviando tropas, certamente não seria como sua campanha na 2ª Guerra Mundial, quando o país enviou à Itália 45 mil soldados.
Folha - Sem uma aprovação da ONU, o presidente Castello Branco não aceitaria enviar soldados?
Gordon - Não. Ele exigia uma fundamentação jurídica com aprovação das Nações Unidas.
Lembro a reação do Castello na intervenção da República Dominicana. Ele exigia uma resolução formal da OEA (Organização dos Estados Americanos). O envio de tropas ao Vietnã teria de ser aprovado por um processo semelhante.
Folha - Sem a votação no Conselho de Segurança da ONU, o assunto morreu no Brasil?
Gordon - Acho que, após aquelas conversas que tive com Castello, Washington se calou por um tempo e retomou a discussão mais tarde, mas eu já não era mais embaixador.
Folha - O que levou o Brasil a liderar a intervenção na República Dominicana?
Gordon - A razão dessa intervenção, no início de 1965, era o temor de que comunistas tomassem o poder no país. A intervenção teve uma série de problemas: o principal foi que não houve votação no Congresso americano para o envio das tropas.
Mas, no início de 1965, havia negociações de Avrell Harriman -embaixador para missões especiais do Departamento de Estado e um dos coordenadores do Plano Marshall- para uma série de encaminhamentos na América Latina. Nesse, ano ele organizou um encontro em Brasília com o presidente Castello Branco para pedir a participação e liderança do Brasil em uma intervenção multilateral na República Dominicana.
Vasco Leitão da Cunha era o ministro das Relações Exteriores, e conversamos uma hora e meia no Palácio do Planalto, definindo posições sobre a intervenção. Castello Branco enviou um telegrama em que dizia que achava boa a idéia de tropas multinacionais. Ele considerava importante uma vitória coletiva da OEA para assegurar a democracia na República Dominicana.
É engraçado pensar que isso partiu do primeiro ditador no Brasil. Mas sempre acreditei que Castello Branco queria a restauração da democracia.
Folha - O sr. teve grande participação no programa de cooperação econômica Aliança para o Progresso. Ele foi uma espécie de Plano Marshall para a América Latina?
Gordon - Existe alguma semelhança. O Aliança para o Progresso foi um programa de incentivo para desenvolvimento da América Latina. A diferença é que o Plano Marshall financiou a reconstrução da Europa do pós-guerra, com países que tinham técnicos e potencial para se reestruturar.
No caso do Brasil, não havia técnicos especializados. Em 1955, havia apenas seis geólogos qualificados para trabalhar em extração mineral em todo o país. Como um país tão rico em recursos minerais, como o Brasil, podia explorar suas riquezas com apenas seis geólogos?
Uma das coisas que o Aliança para o Progresso fez foi apoiar universidades para desenvolver pesquisa e formar profissionais.
Folha - O sr. está escrevendo um livro sobre o Brasil. Do que ele trata?
Gordon - Meu livro tem o título provisório de ``Brazil - The Second Chance".
Este título levanta duas questões: chance de fazer o quê e por que segunda chance. O livro mostra que o Brasil tem chance de se transformar no que eu chamo de um país genuíno de Primeiro Mundo. Minha abordagem política trata de como encontrar estabilidade em um país pluripartidário. Do ponto de vista social, lida com a questão de como a maior parte da população poderia ter acesso aos benefícios do desenvolvimento econômico global.
Falo em segunda chance porque, a meu ver, em 1961, o Brasil passou aparentemente por um tempo de grande transformação em direção à consolidação da democracia.
Nesse ano, pela primeira vez, houve a transmissão pacífica do poder a Jânio Quadros, que era um símbolo da estabilidade democrática. Claro que foi apenas uma ilusão. A primeira chance, portanto, entrou em falência.
Em 1988, o Brasil teve a sua segunda chance apesar de a economia, nos anos 80, ter ido muito mal, com sucessivos planos de estabilização que não funcionaram.
Existem alguns provérbios que fazem parte do folclore do Brasil e que ilustram bem a situação. Tem um que diz ``O Brasil cresce à noite enquanto o governo dorme" (risos). Mas sinto que, hoje, o Brasil retoma o caminho para a modernização.
As eleições do ano passado foram um bom sinal. Estive com o presidente Fernando Henrique quando ele veio a Washington. Acredito nesta administração, mas ainda acho que o sistema pluripartidário propicia o fisiologismo.

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