São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995
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Brasileiro passa fome para virar 'fera do gelo'

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Brasileiro passa fome para virar `fera do gelo'
Em sua luta para provar que o Brasil não é apenas o país do futebol, mas também da patinação no gelo, o paulistano Eduardo Marques já passou até fome.
``Os patinadores europeus acham estranho um brasileiro nesse lugar, mas eu cheguei lá", diz, cheio de orgulho.
O ``lá" a que se refere Marques é o papel de solista no Holiday on Ice, o mais famoso e kitsch espetáculo de patinação no gelo, que completa 50 anos em 1995.
A etapa paulistana da turnê se encerra hoje, no ginásio do Ibirapuera (zona sul).
É a última chance de ver Marques fazer, em dupla com a tcheca Marketta Volevikova, o pequeno show de acrobacia que abre o espetáculo e, ao final, o número em que arranca risos da platéia ao patinar vestido de mulher.
A partir do próximo dia 18, Marques protagoniza uma nova produção do Holiday on Ice, intitulada ``Carnaval no Gelo", que vai correr o interior de São Paulo.
Nessa turnê, que começa por São José do Rio Preto, o patinador vai treinar um novo número cômico com o objetivo de estreá-lo oficialmente em 1996 na Europa.
Trata-se de uma versão sobre o gelo de ``Se o Meu Fusca Falasse", na qual Marques contracena com um carro que fala, pisca os olhos e faz xixi.
``Cheguei no topo. Não sei se algum outro brasileiro um dia vai conseguir o que eu consegui", diz.
Quem ouve a sua história, é obrigado a concordar.
Filho de uma família de classe média baixa, Marques começou a trabalhar aos 9 anos, atrás do balcão de uma farmácia, na Aclimação (zona sul de São Paulo).
Fascinado por patinação no gelo, aos 20 anos, durante uma visita do Holiday on Ice a São Paulo, fez o seu primeiro teste para entrar na companhia. Não passou.
Repetiu a dose no ano seguinte e voltou a fracassar.
Em 1972, meses após fazer o terceiro teste, recebeu um telegrama de Liège, na Bélgica.
Estava contratado. Mas deveria viajar no dia seguinte, para se integrar à companhia.
Nem passaporte ele tinha. Respondeu que precisava de duas semanas para viajar porque -mentiu- estava convalescendo de uma operação de apendicite.
A mentira colou. Aos 23 anos e US$ 50 no bolso, Marques trocou a farmácia da Aclimação pela sede do Holiday on Ice em Liège.
No vôo São Paulo-Paris, o primeiro de sua vida, não comeu nada. ``Achei que tinha que pagar. Cheguei morrendo de fome."
Hoje, 23 anos depois, conhece a Europa, a América e o Oriente.
Vive de cidade em cidade, dentro de um confortável trailer, na companhia de uma TV a cabo e bons livros policiais.
``Deixei minha vida sentimental de lado. Coloquei minha carreira acima de tudo", diz.
Sobre salário não fala, mas sabe-se que patinadores em sua posição podem ganhar entre US$ 750 e US$ 1.500 por semana.
Conseguiu juntar um pequeno patrimônio. Tem apartamento e carro em São Paulo, outro carro e uma bela conta bancária na Europa. Mas diz que não está rico.
``Michael Jackson tem dinheiro. Mas é feliz? Eu sou", diz.

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