São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995
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'Outsider' irlandês 'ignora' Barrichello

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
ENVIADO ESPECIAL A IMOLA

Em sua primeira corrida de F-1, chegou em sexto e ainda teve tempo de brigar com Ayrton Senna.
No ano seguinte, pagou pela (má) fama repentina ao ser suspenso por duas corridas em razão de um acidente na etapa de abertura que, na verdade, não causou.
Mas não são apenas fatos pitorescos que fazem do irlandês Eddie Irvine, 29, uma espécie de ``outsider" da F-1.
Sem vínculos com grandes patrocinadores, ignora as críticas e é sarcástico com os jornalistas -algo incomum para uma categoria em que os pilotos se transformaram em peças de marketing.
Para os brasileiros, Irvine é a pedra no sapato de Rubens Barrichello. Para Irvine, os brasileiros é que incomodam seu companheiro na equipe Jordan.
Ao contrário do que muitos acreditam, o ``Viking" (como Barrichello chama o irlandês) elogia o brasileiro e, ao contrário deste, não se preocupa com a disputa doméstica.
``Temos é que alcançar os Williams, os Benettons e as Ferraris", afirma o piloto, que nas horas vagas gosta de especular na bolsa, jogar golfe e correr atrás de ``garotas bonitas".
Para conceder a seguinte entrevista à Folha, Irvine aproveitou uma quebra de seu carro em Imola, Itália, circuito no qual a Jordan testou nesta última semana.
Sentou em uma lambreta e, como bom irlandês, tirou a camisa para aproveitar o tímido sol da primavera italiana.

Folha - Você é mais rápido que Rubens Barrichello?
Eddie Irvine - Neste momento. Nas três corridas deste ano, consegui melhores posições no grid. Foram três grandes voltas, algo importante para a mim. Acho que Rubens está sem sorte.
Folha - É importante estar à frente de seu companheiro?
Irvine - Prefiro estar à frente no grid, seja de quem for.
Folha - Barrichello admite que você é muito rápido, mas não mais do que ele. Ele se preocupa muito com isso. Você parece não dar a mínima.
Irvine - Minha concentração não está dirigida a Rubens. A Williams é quem devemos bater, a Ferrari. Só me concentro em ser rápido e acertar o carro da melhor maneira possível.
É difícil para Rubens, pois todos no Brasil esperam que tome o lugar de (Ayrton) Senna. Sinceramente, isto é impossível para qualquer um. Senna é insubstituível, um fenômeno que não se repetirá. Rubens é muito bom, mas ninguém atingirá o nível de Senna. Nem (Michael)Schumacher.
Acho que deve ser bem difícil para ele. O público brasileiro faz muita pressão sobre Rubens. Acho que isso não o ajuda.
Folha - Ao contrário de outros pilotos, você parece se preocupar pouco com a própria imagem. Por quê?
Irvine - Sou assim. Não consigo ser diferente. Faço e digo o que acho certo.
Folha - Mas você não se encaixa nos padrões...
Irvine - Sim. Talvez eu seja diferente, mas... sou assim.
Folha - Você tem um comportamento de piloto de outras décadas, que não se preocupava com patrocinadores, em sorrir para os fotógrafos e para a TV...
Irvine - Tenho muita sorte porque nunca dependi de patrocinadores. Na F-Ford 1.600, um time que já tinha patrocinador me chamou para correr. O mesmo aconteceu na F-3, na F-3.000 e quando Eddie (Jordan) me chamou para correr para ele na F-1. Nunca tive que sair atrás de patrocinador. Sempre fui contratado pelos times.
Folha - É bom ter essa liberdade toda?
Irvine - Eu não sei. Estou pobre (ri). Rubens, por exemplo, tem diversos patrocínios pessoais. Tenho apenas este (mostra o boné da empresa Motorscan). Eles me conhecem e não exigem nada diferente. Posso ser eu mesmo e não me preocupar com o que as pessoas vão achar.
Folha - Então, você não está ganhando dinheiro na F-1?
Irvine - Não muito. Bem, um pouco.
Folha - Sua melhor colocação até agora na F-1 foi um quarto lugar no GP da Europa em 94. Até onde você espera chegar?
Irvine - Estou indo bem nos treinos. Mas não estou feliz em chegar em sexto, oitavo nas corridas. Já fizemos isso no ano passado. Temos que progredir.
Folha - À frente de vocês só existem os quatro grandes (Williams, Benetton, Ferrari e McLaren). Sendo realista, dá para se intrometer neste grupo?
Irvine - Isto é um problema. Ferrari, Benetton e Williams são difíceis de serem batidas... (interrompe a entrevista para brincar com duas fãs; esconde o peito nu quando elas tentam fotografá-lo).
Folha - E a McLaren?
Irvine - A McLaren está em uma situação similar à da Jordan. Na última corrida tive uma boa disputa com Hakkinen, e Rubens, com Mansell. Não há muita diferença entre os dois times. Mas isso não é satisfatório. Precisamos ser rápidos como os Williams, apesar de saber como isso é difícil.
Folha - A McLaren não poupa críticas ao motor Peugeot, que agora é da Jordan. Qual é sua opinião sobre o assunto?
Irvine - Pelo o que vem fazendo este ano, a McLaren já provou que o motor Peugeot não era seu maior problema. Para nós, o motor Hart (utilizado pela Jordan) era uma limitação. Com a Peugeot, acho que podemos ser mais rápidos e diminuir a distância que nos separam dos times grandes. O motor tem falhado, mas nosso carro ainda não é bom o suficiente. E o chassi é o mais importante.
Folha - Dizem que seu estilo de pilotar não é muito ``limpo". Você concorda?
Irvine - Em treino é necessário arriscar. Às vezes dá errado; em outras dá certo. Minhas melhores voltas foram feitas acima do limite. É o único jeito. Ainda mais quando o carro não está bom.
Folha - Mas você não poupa o carro.
Irvine - Apenas na corrida. Mesmo nos testes, forço o mais que posso para saber que partes do carro podem falhar.
(É verdade. Antes da entrevista, Barrichello pede para o repórter reparar como Irvine sai de dentro dos boxes -cantando pneu. Gary Anderson, projetista do time, afirma que o irlandês ``exagera" nos testes)
Folha - Você disse que Barrichello é cobrado como um grande herói no Brasil. Você é um grande herói na Irlanda?
Irvine - Não.
Folha - Mas você é reconhecido nas ruas?
Irvine - Não.
Folha - Você se preocupa com isso?
Irvine - Bem... Na Irlanda é impossível conseguir um patrocínio. Ser famoso por lá não me trará mais dinheiro. Ao contrário do que acontece no Brasil com Rubens.
Folha - Você é católico?
Irvine - Não, sou protestante.
Folha - Você gosta de política?
Irvine - Sim, gosto mas... (reluta em responder)
Folha - Pergunto isso porque não é um assunto muito comum entre pilotos. Barrichello, por exemplo...
Irvine - Ele tem apenas 22 anos e sempre teve apoio da família. Acho que nunca foi muito afetado por problemas políticos, o que não é o meu caso. Políticos se preocupam mais com a fama do que com o que devem fazer. O mesmo acontece com as entidades que controlam o esporte. Odeio isso.
Folha - Dizem que seu outro esporte é a Bolsa de Valores? É tão emocionante quanto correr?
Irvine - É real. É um desafio. E é um investimento (ri).
Folha - Você vive no telefone?
Irvine - Não. Apenas acordo de manhã, vejo as cotações e, o que estiver barato, compro.
Folha - Você está rico, então?
Irvine - Não... sim... bem, eu fiz bastante dinheiro no Japão. Tenho dinheiro para este tipo de jogo.
Folha - Mas você já ganhou bastante dinheiro desse modo?
Irvine - É, algumas vezes acordei e me percebi 20 mil libras (cerca de R$ 33 mil) mais rico. O contrário também acontece (ri).
Folha - Além de ganhar dinheiro, o que você gosta de fazer em seu tempo livre?
Irvine - Jogar golfe e correr atrás de garotas bonitas.

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