São Paulo, segunda-feira, 8 de maio de 1995
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Americanos temiam guerra civil no Brasil

GILBERTO DIMENSTEIN; ROBERTO MACHADO

Anúncio do Ato Institucional número 2, que completa 30 anos em outubro, aumentou o temor do governo dos EUA
GILBERTO DIMENSTEIN
Diretor da Sucursal de Brasília
Em 31 de outubro de 1965, um documento confidencial da Casa Branca à embaixada no Rio iniciou uma ofensiva em ritmo de emergência para evitar o que imaginava ser o perigo de guerra civil.
Essa possibilidade viria com a tomada do poder pela linha dura das Forças Armadas, desestabilizando o projeto moderado do então presidente Humberto Alencar Castello Branco.
Os documentos inéditos, guardados na biblioteca Lyndon Johnson, no Texas, mostram que os temores do governo americano foram acelerados pelo anúncio do Ato Institucional número 2.
Completando 30 anos em 27 de outubro, o ato significou o início da derrocada democrática do regime militar, presidido por Castello Branco. Castello queria deixar a presidência, entregando-o a um presidente escolhido democraticamente, com liberdades garantidas.
Pressionado pela oficialidade inconformada com os resultados para as eleições de governadores da oposição, Castello Branco acabou com os partidos, tornou indireta a eleição de seu sucessor, atribuiu-se poderes para cassar mandatos ou suspender direitos políticos, decretar estado de sítio sem autorização do Congresso.
Principal assessor da Casa Branca para assuntos de segurança, McGeorge Bundy pediu por carta (data: 31 de outubro) ao embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, um plano urgente diante da crise política brasileira.
``Sua carta chegou à minha mesa como uma bomba", respondeu em 4 de novembro Gordon a Bundy, reclamando que, pela falta de tempo, teve de trabalhar pela madrugada num texto que consumiu 48 páginas.
Impressionado com o desempenho dos radicais militares, o embaixador comenta, na página 22, que o governo dos EUA deveria se empenhar para evitar que a deterioração do momento descambasse em ``completa ditadura militar".
Gordon alertou que a ditadura poderia causar as consequências:
a) controle do poder por militares radicais e nacionalistas, capazes de desenvolver um Estado socialista e uma política exterior contrária aos Estados Unidos.
b) uma `` eventual reação" popular liderada por comunistas, provocando uma guerra civil.
``A ajuda americana tem uma ligação direta sobre as chances de sucesso ou fracasso", escreveu. Ele lembrava que estavam em jogo, entre outros, mais de US$ 1 bilhão de investimentos americanos. E a segurança do hemisfério, já afetada pela revolução em Cuba.
Apesar de se mostrar incomodado com as medidas anti-democráticas do AI-2, Gordon propõe à Casa Branca que apóie, com recursos financeiros, Castello -visto como a alternativa mais confiável.
Um relatório da CIA, de 28 de dezembro, transborda em elogios a Castello, ao analisar sua sucessão. Segundo o texto, ele seria insubstituível. ``Será extremamente difícil, talvez impossível, encontrar alguém, com a combinação de inteligência, responsabilidade e dedicação", definiu a CIA, numa visão compartilhada por Gordon.
O embaixador dividiu seu plano em metas de curto e médios prazos que, segundo ele, teria como objetivo promover o crescimento com estabilidade de preços, melhorar os níveis de distribuição de renda, saúde, habitação, saneamento básico e, principalmente, educação.
A longo prazo, o investimento social, na visão de Gordon, seria a melhor maneira de afastar o perigo comunista e trazer paz social. Os Estados Unidos deveriam apoiar metas do tipo reforma agrária e estímulos ao crédito agrícola. Seria dada prioridade ao Nordeste.
Até 1970 todas as crianças deveriam ter concluído até a quarta série; 80% das professoras primárias passariam por um treinamento. Em 1972, a malária deveria estar erradicada. Até 1968, deveriam ser construídos mais sete centros de tratamento de água. ``A falta de água tratada é o principal problema de saúde pública", comentou.
A curto prazo, a Casa Branca deveria aumentar seus empréstimos ao Brasil, enquanto prosseguiria no empenho de coletar ajuda através dos organismos como Fundo Monetário Nacional e Banco Mundial, passando pelos governos da Europa e Japão.
Para 1966, pedia um empréstimo de US$ 150 milhões -uma quantia considerável para uma economia em que a renda por habitante era inferior a US$ 300.
O pedido foi parar no Departamento de Orçamento dos Estados Unidos, recebendo um corte de US$ 50 milhões. Gordon insistiu. Em 7 de dezembro, Bundy mostrou-se sensibilizado com os argumentos políticos do embaixador.
Ele enviou informe ao presidente Lyndon Jonhson, recomendando que, num sinal de prestígio a Castello, fossem autorizados os US$ 150 milhões. Seis dias depois, um comunicado da Casa Branca orientaria Gordon a dizer a Castello que, a despeito das dificuldades orçamentárias, o empréstimo serviria de prova do interesse em vê-lo superar seus problemas ``econômicos e políticos".
O esforço de Gordon, amparado pela Casa Branca, não funcionou. A economia foi bem, mas não o clima das ruas. A contestação ao regime deu ainda mais pretexto à linha dura das Forças Armadas.
Três anos após o documento chegar a Gordon, o então presidente Costa e Silva assinaria o AI-5 e levaria o país a ``completa ditadura", da qual só sairia 17 anos depois.

Colaborou ROBERTO MACHADO, da Sucursal do Rio

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