São Paulo, segunda-feira, 8 de maio de 1995
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Tudo que você acha sobre alguma coisa depende do dia

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA À FOLHA

Tudo que você acha sobre alguma coisa depende do dia
Pouca gente repara direito na relação simbiótica (epa) entre a música e as lides literárias. Quer dizer, aqui no Brasil está meio na cara: todos os Chicos e Caetanos são louvados por serem ``poetas", antes de serem músicos.
O que também é bobagem. Eles não fazem poesia, eles fazem letra de música. Letra não tem nada a ver com poesia. Letra tem que rimar, por exemplo. Letra que não rima, não cola. Já poesia, não.
Mas enfim. Aqui no Brasil a gente relaciona literatura e música. Fora do Brasil só se faz essa relação quando se fala de artistas ``sensíveis", amados por pessoas que se formaram na universidade. Daí se conecta Michael Stipe com Sylvia Plath, ou Morrissey com John Osborne. Mas dificilmente se relaciona literatura com rock'n'roll da pesada, bem barulhento e vulgar. Tipo, qual a relação entre Black Sabath é, digamos H.P. Lovecraft? Que tem Ministry a ver com J.G. Ballard? Butthole Surfers com George Bataille?
E porque estou viajando desse jeito? Só para mostrar que já ouvi falar de um monte de escritores famosos? Que certamente nunca li, porque eu escrevo sobre rock. E quem gosta de rock não lê?
Exatamente. Mas não só. O pontapé inicial desta encasquetação aconteceu meros minutos atrás, quando me ligaram para divulgar um evento chamado Hard Cabaré, que pretende ser sobre ``rock literário... ou, sei lá, literatura rocker."
Enfim, Diorama e Lorenzo Y La Nota Falsa vão tocar, com vídeos raros sobre William Burroughs, Allen Ginsberg, Leonard Cohen, John Cage, Nick Cage, Charles Bukowski e uns outros caras bem mais obscuros.
Se esporro cabeça faz teu gênero, a festa (show? sarau? Qualquer coisa, menos ``evento") será na Casa (av. Angélica, 2495, tel. 258-7316), nessa sexta e sábado.
Sobre o debate de rock inglês versus rock americano. Minha opinião é totalmente inconclusiva: depende do dia. O charme da música pop é que você pode escolher a mais indicada para o seu dia (ou até para sua próxima meia hora).
Tem dias que seu espírito clama por barulho e confusão. Pode optar por a) gente que quer destruir esse mundo e construir um outro melhor em cima ou b) gente que quer destruir o mundo só pela diversão.
E tem dias que o fru-fru é crucial e sua alma pede por um mundo mais leve e irrelevante. Que podem ser a) glamurosas, b) ligeiramente ensimesmadas, c) gayzolas/fúteis ou d) qualquer combinação desses elementos.
Esses são os dois tipos básicos de dia. E eles não são divididos pelo Atlântico, nem por gêneros. O R.E.M., por exemplo, é ligeiramente ensimesmado, uma característica bastante inglesa. E o Motorhead tem aquele espírito ``vamos jogar a garrafa de vodka pela janela do carro a trocentos quilômetros por hora", que é americano até o fígado.
Entendeu?
Esperando ter contribuído para este importante debate com a sociedade, atenciosamente subscrevo-me...

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