São Paulo, terça-feira, 9 de maio de 1995
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Fúria normativa

CELSO RIBEIRO BASTOS

O dirigente alcaide desta cidade tem se notabilizado por uma grande criatividade. Leis e decretos têm se sucedido, tratando de assuntos a que não falta a mesma grandiosidade que o prefeito procura emprestar a seu cargo. Nada escapa à sua operosa pena legislativa.
Desde o uso obrigatório de cintos de segurança até o fumo nos restaurantes, passando agora pela obrigatoriedade da construção de calçadas. Tal demonstração de operosidade só poderia merecer encômios, não fosse, contudo, por quase sempre resvalar em ilegalidade ou inconstitucionalidade.
O recente decreto nº 35.027 é peremptório: ``Os responsáveis por imóveis edificados ou não, lindeiros e logradouros públicos dotados de guias e sarjetas, são obrigados a construir e conservar as calçadas respectivas, na extensão das suas testadas, de acordo com a legislação e as normas técnicas vigentes". A seguir, estipulam-se sanções, passando por notificação, multa, realização da obra pela prefeitura, até chegar à cobrança do serviço, com 100% de acréscimo no valor, pago junto com o IPTU.
Nem se pode dizer que o decreto não será cumprido. A Regional da Sé, por exemplo, já notificou mais de 220 proprietários de imóveis. O prefeito Maluf, que gosta das lições de Cingapura, despreza as de Paris. A cidade acabou de refazer todas as calçadas da deslumbrante avenida Champs Elisées, a custa do poder público, uma vez que se trata de bem dessa natureza. A pergunta que fica no ar é: pode alguém ser obrigado a construir com os próprios recursos algo que assim que realizado se converterá em bem público? Não. Isso equivaleria a uma maneira impiedosa de confisco, terminantemente vedado pela Constituição.
O poder público não pode absorver a propriedade privada, a não ser pela via da cobrança moderada de tributos, e nossa Carta Magna não prevê nenhum cujo fato gerador seja possuir calçada fronteiriça a um terreno.
Outras obrigações podem ser impostas aos proprietários, como a de cuidar do imóvel. É o chamado poder de polícia administrativa, que, contudo, não chega a autorizar a exigência de construção de obras em benefício do patrimônio público.
Os atingidos pelas sanções podem ingressar com mandado de segurança. As entidades que tiverem por objetivo cuidar de interesses dos contribuintes podem ingressar com uma medida coletiva. Aliás, seria de bom alvitre a interposição de ação direta de inconstitucionalidade da lei municipal do prefeito Jânio Quadros, que foi reavivada para embasar o decreto.
Como se não bastassem as desgraças da natureza, secas e enchentes, o paulistano é assolado por uma fúria normativa. Além de molestado no prazer do cigarrinho, querem mexer também no seu bolso. Mais moderação, senhor prefeito!

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