São Paulo, terça-feira, 9 de maio de 1995
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Vida do poeta contrasta com suas obsessões

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ana Miranda não mentiu nem um pouco a respeito da vida de Augusto dos Anjos. Escudada por um narrador fictício, ela pôde manter uma certa nebulosidade em torno dessa existência breve e desprovida de lances pitorescos.
Nascido num engenho no interior da Paraíba, Augusto dos Anjos estudou direito em Recife antes de levar uma vida sacrificada de professor na Paraíba e no Rio, onde viveu de 1910 a 1914.
Poucos meses antes de morrer -de pneumonia, aos 30 anos- mudou-se para Leopoldina (MG).
O evento mais notável de sua vida -excluindo o suposto incesto com a irmã- foi o aborto de seu primeiro filho, no sexto mês de gravidez de sua mulher, Esther.
No livro de Ana Miranda, o drama é narrado de modo discreto, se se leva em conta que o próprio poeta escreveu um poema sangrento sobre ele, que entre outras coisas diz, dirigindo-se ao feto: ``Em que lugar irás passar a infância,/ tragicamente anônimo, a feder?!"
Se a vida exterior de Augusto dos Anjos não era nada trepidante, sua cabeça era uma balbúrdia: teorias cientificistas (de cujos termos ele se servia em seus poemas), filosofias longínquas (era budista), paixão pelo sofrimento e a morte.
Publicou em vida um único volume de poemas, ``Eu", que foi mal recebido pela crítica quando lançado, em 1912, mas obteve um sucesso estrondoso a partir da segunda edição, póstuma, em 1920.
Basta ler os títulos de seus poemas para ver que o espírito do homem não era um jardim de rosas: ``O Deus-Verme", ``A um Carneiro Morto", ``Vozes da Morte", ``Asa de Corvo", ``Vozes de um Túmulo" e por aí afora.
A propósito: o título do romance é trecho do célebre início dos ``Versos Íntimos" de Augusto dos Anjos: ``Vês! Ninguém assistiu ao formidável/ enterro de tua última quimera".
(JGC)

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