São Paulo, terça-feira, 9 de maio de 1995
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Injustiça histórica

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA - Os documentos secretos da Casa Branca, Departamento de Estado e CIA ajudam a reparar uma injustiça histórica, comum ainda em muitos textos: o governo americano não apenas desaprovava os desvios autoritários no início da revolução de 1964, mas cogitou punir os militares.
``Não entendiam nosso papel", disse ontem a esta coluna o então embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, apontado pela esquerda e grupos nacionalistas como inimigo público número 1.
A papelada mostra que, agora, completam-se 30 anos de uma possibilidade estudada pelo governo americano: suspender a ajuda ao Brasil, o que teria efeitos desastrosos.
Havia irritação nos EUA com a decisão de acabar com os partidos, tirar poderes do Congresso e do Judiciário, através do AI-2. ``Fiquei pessoalmente chocado e comuniquei a Castello Branco", conta Lincoln Gordon.
Ele chegou a enviar um documento à Casa Branca, levantando a possibilidade de cortar ou reduzir a ajuda ao governo brasileiro. Essa punição serviria como um recado aos demais governos latino-americanos.
Mas avaliou no documento que a pancada poderia ter efeitos contrários: auxiliaria justamente a linha dura das Forças Armadas e dinamitaria de vez o grupo liberal em torno de Castello Branco.
Sua suspeita era de que, instalada a linha dura, viria no rastro uma guerra civil, alimentando os grupos comunistas. O problema é que, no final, a ditadura veio mesmo, como previam.
Só que, depois, a ditadura foi sustentada pelo governo dos EUA, que calou-se diante da tortura, dos sequestros e dos desaparecimentos. E nisso não há nenhuma injustiça histórica.
PS - Por falar em justiça, soube ontem de mais detalhes da pressão dos EUA para que o Brasil participasse do Vietnã -pela primeira vez, os documentos foram publicados domingo passado. O diplomata Nelson Tabajara cometeu uma inconfidência, captada pelo repórter Mário Lúcio Franklin, do ``Jornal do Brasil", reproduzida, depois, na revista ``Realidade", pelo jornalista Marcos Sá Correa. Essa inconfidência ajudou que setores fora do governo pressionassem contra o envio de tropas para o Sudeste asiático.

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