São Paulo, quarta-feira, 10 de maio de 1995
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Campanha pede que FHC reconheça mortos

EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Entidades de defesa dos direitos humanos iniciaram no Brasil e em outros países uma campanha para que o governo de Fernando Henrique Cardoso reconheça formalmente a lista dos mortos políticos do regime militar (1964-1985).
A exemplo do que ocorreu na Argentina, a campanha tem como objetivo o pedido formal de desculpas do governo e das Forças Armadas pelos excessos cometidos naquele período. Quer ainda a indenização das famílias.
A campanha foi iniciada na semana passada, no Rio, pelo grupo ``Tortura: Nunca Mais", que reúne familiares de mortos e desaparecidos políticos. Entidades vão pressionar o governo. Já foi pedida uma audiência ao presidente Fernando Henrique Cardoso.
Segundo o reverendo Jaime Wright, um dos responsáveis pelo projeto que resultou no livro ``Brasil: Nunca Mais" (que trata da tortura durante o regime militar), o governo FHC está ``negligenciando" a situação das pessoas mortas naquela época.
Para ele, o não-reconhecimento oficial dos desaparecidos causa ``embaraço legal" aos familiares dos mortos. ``O governo precisa fornecer às famílias a declaração de ausência dessas pessoas".
A falta desses documentos cria situações constrangedoras para as famílias. Há viúvas que legalmente não podem ser consideradas viúvas, por causa da inexistência do atestado de óbito dos maridos.
Anistia
No mês passado, o secretário-geral da Anistia Internacional, Pierre Sané, ouviu de FHC que não podia fazer nada pelos desaparecidos, por se tratar de um tema delicado. Depois, FHC disse que não fora compreendido por Sané.
``Isso nos ofende. O presidente está `nhenhencando' sobre os desaparecidos", diz Wright. Seu irmão, o ex-deputado catarinense Paulo Wright, foi morto em 1973.
``Nhenhencando" é uma referência à expressão ``nhenhenhém", usada pelo presidente da República para definir reivindicações de seus opositores.
``Estou muito decepcionado com o presidente", afirmou Wright. Na campanha eleitoral, FHC prometeu resolver o problema dos desaparecidos.
Maria Amélia de Almeida Telles, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, diz que, na campanha, FHC indicou o advogado Miguel Reale Júnior para encontrar uma solução para o caso.
``O Fernando Henrique foi foragido político na ditadura e podia ser hoje um dos desaparecidos", afirma Maria Amélia. ``Mas ao chegar ao governo, tem colocado obstáculos para esclarecer o paradeiro dos nossos mortos".
Até agora foram contabilizados 369 mortes de pessoas que fizeram oposição ao regime militar.
Desse total, 217 foram oficialmente reconhecidos como mortos; os outros 152 são considerados desaparecidos. Não se sabe nem mesmo onde estão sepultados.
``O governo tem obrigação de dizer onde estão os restos mortais dos nossos familiares", diz Wright. Ele dividiu com o arcebispo de São Paulo, d. Paulo Arns, a responsabilidade pelo projeto ``Brasil: Nunca Mais".
Para Wright, o comportamento do governo é uma ``violação" da Terceira Convenção de Genebra (Suíça), assinada pelo Brasil em 1949. Segundo esse documento, os mortos em combate têm que ser sepultados com dignidade.
Membro da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, Wright lembra que a Convenção de Genebra obriga as autoridades a respeitarem e marcarem adequadamente os túmulos dos mortos para que possam ser encontrados facilmente.
``Nossas Forças Armadas desconsideraram essa convenção", afirma Wright. Segundo ele, ``no Brasil não houve a mínima consideração ética e obediência a essas normas".

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