São Paulo, quarta-feira, 10 de maio de 1995
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LISTAS SÃO MANIA HÁ MEIO SÉCULO

Primeira pesquisa aconteceu na Bélgica durante os anos 50

JOSÉ CARLOS MONTEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O jogo é relativamente antigo, culturalmente polêmico e, apesar das esnobadas de personalidades avessas a consultas desta natureza, continua a fascinar tanto a especialistas e eruditos como a cinéfilos das mais variadas extrações: as listas de melhores filmes.
Datam de 1951 as primeiras investigações mundiais sérias e reveladoras. Foram os belgas os precursores das enquêtes, que em seguida seduziram os ingleses e acabaram por se consolidar, como norma e modismo, entre franceses e americanos. Atualmente, não há instituição ou publicação indiferente a este mapeamento de tendências e gostos da crítica e dos historiadores.
Em 1951, quando o cinema já passava da meia-idade, o comitê do Festival Mondial du Film et des Beaux Arts da Bélgica promoveu uma pesquisa a fim de apurar quais os momentos marcantes da sétima arte até aquela data, na avaliação de diretores e roteiristas.
No território da crítica, a política dos ``dez mais" se institucionalizou a partir da revista inglesa ``Sight and Sound", que em 1952 submeteu a um seleto grupo de críticos e historiadores a pergunta: ``Quais os dez filmes que mais o impressionaram?" Com o resultado, a revista confrontou as listas dos diretores com as dos ``especialistas", estabelecendo um guia-mapa da complexa e acidentada geografia do cinema até o pós-guerra.
Em 1958, os belgas reprisaram sua enquête, numa dimensão superlativa. Mobilizaram 150 historiadores, críticos e pesquisadores do mundo todo para indicarem 30 filmes. Desses, sairiam ``os 12 maiores de todos os tempos", definidos por sete cineastas (Alexander McKendrick, Robert Aldrich, Satyajit Ray, Juan Antonio Barden, Michael Cacoyannis, Francesco Maselli e Alexandre Astruc).
A proclamação do resultado fecharia com chave de ouro a Exposição Universal de Bruxelas. O júri de ``notáveis" considerou-se incapaz de escolher, por unanimidade, os tais 12 clássicos, ficando em apenas meia dúzia.
A contestação desse cânone originou-se nos ``Cahiers du Cinéma" de dezembro de 1958. A revista orientada por André Bazin estampava os sinais da subversão ao promover filmes e cineastas sob o prisma de sua famigerada ``política dos autores".
Fora das habituais listas dos ``dez melhores do ano", convertidas em rotina jornalística desde os anos 30 (``The New York Times", ``Time" etc.) e dos balanços das publicações especializadas (``Film Comment", ``Kinema Jumpo", ``Cinema Nuovo", entre outras), praticamente inexiste setor imune ao esoterismo autoral. Exceção: ``Positif".
Este mensário de inspiração surrealista e marxista só 40 anos depois de sua criação aderiu (em março de 1982 e em maio de 1992) ao jogo das listas estampando inventários dos ``dez mais" à margem do ``Cahiers".
Nas escolhas de seus 70 e tantos colaboradores, ``Positif" demonstrou ter códigos próprios de avaliação das mutações na galáxia do audiovisual. Já as americanas ``Film Comment"(em 1978) e ``Cinema" (em 1969) revelaram-se tributárias do sistema bazineano associado a um multiculturalismo delirante.
Os guardiães da tradição da imprensa diária e umas poucas revistas (a italiana ``Bianco e Nero", a americana ``American Film", a brasileira ``Filme Cultura") resistiram aos influxos das transformações detonadas pelo cinema moderno (Nouvelle Vague, Cinema Novo, Free Cinema) e permaneceram cultivando o classicismo hollywoodiano, o realismo ``noir" francês, o expressionismo alemão, os soviéticos do anos 20.
Nesse aspecto, reproduziram a atitude da turma da velha guarda (os críticos e historiadores Georges Sadoul, Bosley Crowther, Arthur Knight, Paul Rotha, Roger Manvell) cujas recomendações eram reverenciadas como o ``nec plus ultra" da sétima arte.
Por deformação, muitos aficionados ainda vêem as listas como manifestação do espírito mercantil que anima a indústria do cinema e confunde os consumidores. Na verdade, esta ``política dos dez mais", sem verdadeiro rigor científico e de pouca validade estética, seria apenas a expressão gloriosamente informal e inconsequente do sistema promocional postado por trás do filme e seus criadores.
Pode ser que seja. O que não invalida categoricamente as tentativas de comparação de experiências e de catalogação de formas embutidas nos balanços anuais e decenais. Quais seriam as alternativas? O placar da revista ``Variety", com o ranking das maiores bilheterias? Ou as compilações estatísticas dos filmes mais vistos nos circuitos das locadoras de vídeo?
Se examinadas a sério as listas contêm, efetivamente, um material rico e complexo que pode explicar o significado e a transcendência de aspectos e momentos do nosso tempo registrado pelo cinema.

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