São Paulo, sexta-feira, 12 de maio de 1995
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Os relatórios do TCU e a Previdência Social

JOSÉ CARLOS JACOB DE CARVALHO

1992. Corre solta a discussão sobre a capacidade de a Previdência Social arcar com o pagamento de um acréscimo generalizado das aposentadorias, de cerca de 147%. Do lado da Previdência, diversas simulações demonstram a incapacidade de arcar-se com tal reajuste. De repente, o TCU (Tribunal de Contas da União) divulga estudo da Dataprev em que se ``constata" que a Previdência estaria em melhor situação do que o governo afirmava.
À época, a análise do relatório da Dataprev permitiu constatar inúmeros problemas técnicos no modelo utilizado, tornando-o inadequado para previsões. Além disso, a Dataprev cometera um equívoco na utilização dos índices de preços, o qual, ao ser corrigido, faria com que o modelo projetasse uma situação para a Previdência Social ainda pior do que a que o governo vinha, até aí, divulgando.
O tempo permitiu constatar que o governo estava correto, já que, mesmo tendo sido dividido o pagamento dos 147% em 12 vezes, só foi possível equilibrar a Previdência Social mediante suspensão, em 1993, dos repasses orçamentários do INSS para o Ministério da Saúde.
1995. Iniciam-se os debates a respeito da necessidade de reformular a estrutura previdenciária do país. Ao mesmo tempo, voltam à tona discussões a respeito da necessidade de elevar o salário mínimo para R$ 100.
De repente, a exemplo de 1992, o TCU ``vaza" para a imprensa um relatório em que dá conta, entre outras coisas, da ``incapacidade" do governo de produzir projeções fidedignas para o fluxo de caixa do INSS. Mais uma vez, os números e a credibilidade governamentais são postos em xeque.
Uma rápida análise do relatório permitiu, entretanto, verificar que, novamente, a opinião pública acabará sendo influenciada por conclusões precipitadas sobre a Previdência Social.
Em primeiro lugar, o TCU comete o equívoco de confundir um saldo de caixa com um resultado operacional. De fato, afirma-se no relatório que, em 1994, a Previdência Social apresentou ``... superávit financeiro de cerca de R$ 1,8 bilhão...", quando essa cifra representa apenas o estoque de ativos financeiros existente ao final do ano. Se houve superávit, ele foi de apenas R$ 700 milhões, equivalentes à diferença entre o R$ 1,8 bilhão de saldo e o estoque de ativos ao início do período, da ordem de R$ 1,1 bilhão.
Se as contas forem refeitas, considerando a diferença entre as receitas da contribuição previdenciária e as despesas totais (exclusive as pagas pelo Tesouro), chega-se, inclusive, a um déficit de R$ 105 milhões, o que permite concluir que, qualquer que fosse o aumento concedido ao salário mínimo, seguramente haveria um desequilíbrio na Previdência Social a partir de 1995.
O TCU aponta, por outro lado, como deficiência das projeções elaboradas pela Previdência Social a adoção de uma hipótese de inflação zero ao longo de 1995. Entretanto, além de esta ser a prática requerida para a elaboração do Orçamento Geral da União, prevista inclusive na Lei de Diretrizes Orçamentárias, não é difícil perceber que a adoção, alternativa, de uma hipótese que contemplasse os atuais níveis inflacionários não levaria a conclusões muito diferentes daquelas a que o governo chegou. Se, em contrapartida, a inflação for -por hipótese- elevada, então reajustar os benefícios em nada os melhorará, pois o imposto inflacionário irá rapidamente corroê-los.
Outra das críticas do TCU diz respeito à falta de respaldo técnico das premissas adotadas e à desatualização dos parâmetros utilizados nos estudos. Entretanto, o próprio TCU demonstra (!) a adequabilidade do modelo ao fazer um teste para o período de agosto de 1994 a fevereiro de 1995, em que se constata que as receitas e as despesas projetadas apresentaram, respectivamente, desvios de apenas 1,6% e de 1,3% em relação ao que foi realizado pelo INSS.
No meio acadêmico, um modelo que produza um desvio tão reduzido é merecedor do maior respeito e credibilidade. É, portanto, estranho que uma discrepância tão pequena seja motivo de notícia de primeira página e do total descrédito dos responsáveis pelas projeções! Se esse modelo não tem a fidelidade necessária para aferir o impacto do reajuste dos benefícios previdenciários, nenhum outro demonstrou alguma vez possuir maior capacidade de previsão.
O TCU, por outro lado, admite, assim como o governo tanto defendeu, que o reajuste dos benefícios previdenciários para R$ 100, em maio do corrente ano, ``...tende a provocar uma situação de desequilíbrio econômico-financeiro nas contas da Previdência Social".
Não é, aliás, necessário ser possuidor de grande capacidade de previsão para chegar a tal conclusão, pois se o INSS gasta hoje em torno de R$ 2 bilhões por mês no pagamento aos aposentados e pensionistas, então um reajuste de 42,86% (correspondente ao aumento do salário mínimo) representa um acréscimo mensal de R$ 857 milhões (ou R$ 6 bilhões em 1995) nas despesas com benefícios.
Ainda que os salários fossem reajustados ao longo do ano em níveis condizentes com as baixas taxas de inflação atuais, conclui-se que as receitas previdenciárias, ainda assim, não crescerão o necessário para cobrir o aumento das despesas do INSS.
Se a população em geral fosse tão precipitada como os técnicos do TCU, seria levada a concluir que a divulgação de um relatório tão deficiente nas análises do modelo da Previdência Social seria a manifestação da contrariedade daqueles que, recebendo aposentadorias em condições especiais, buscam diminuir os argumentos do governo no que concerne à necessária e moralizadora reforma da Previdência Social.
Até prova em contrário, entretanto, só é possível inferir que a divulgação de tal relatório não é senão fruto de mais uma precipitação na análise de dados governamentais.

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