São Paulo, sexta-feira, 12 de maio de 1995
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Filme junta cacos dos 'sixties'

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Filme junta cacos dos `sixties'
Filme: Louco por Cinema
Direção: André Luiz Oliveira
Elenco: Nuno Leal Maia, Denise Bandeira, Roberto Bonfim
Onde: a partir de hoje no Cinesesc

``Louco por Cinema" é um filme complexo que parte de um argumento simples.
Lula (Nuno Leal Maia), interno de um manicômio judiciário, lidera o sequestro, pelos loucos, de uma comissão de direitos humanos que visita o hospício. Sua única reivindicação é que se reúna a equipe de um filme interrompido 25 anos antes, com a morte de seu diretor, Eugênio (Jairo Matos).
Enquanto são buscados pelo país afora os membros dispersos da equipe, os loucos fazem uma festa bárbara no interior do hospício com os reféns.
Há uma simetria curiosa nisso: enquanto se busca reconstruir um sonho, desencadeia-se o pesadelo no manicômio.
Mas o mais interessante ocorre mesmo na localização e ``captura" (o termo se aplica, pois a operação é policial) da equipe perdida.
Cada um seguiu um descaminho. Um virou travesti, outro trafica maconha, outra virou madame, outro é diretor de comerciais e cocainômano, outro advogado, outro ainda apresenta um programa ``underground" de rádio.
Seria impossível um painel mais expressivo de uma geração dispersada em drogas e desespero, depois que todos os doces sonhos dos anos 60 foram para o espaço.
O que torna ``Louco por Cinema" muito mais complexo que sua história é a maneira como tece suas referências a esse passado estilhaçado e, ao mesmo tempo, as entrelaça às misérias (mas também às possibilidades) do presente.
Existe sempre um apelo à sobrevivência da loucura, em seu sentido criador e subversivo, num mundo caretizado e burocrático.
O manicômio em que se passa a ação se chama Campos de Carvalho -referência ao ficcionista libertário que escreveu meia dúzia de livros geniais e de repente silenciou, há 30 anos.
Há ainda o ambulatório Plínio Marcos, referências a Caetano e Gil, um cartaz de ``Terra em Transe" de Glauber Rocha...
Nessa teia de evocações, uma merece destaque: uma ala é chamada Fernando C. (Cony) Campos. Morto em 1988, Campos é o diretor de ``Ladrões de Cinema", que tem em comum com o filme de André Luiz a idéia da apropriação por mãos populares e imperitas da arma do cinema.
Comédia ao mesmo tempo lírica e radical, ``Louco por Cinema" se adocica perto do fim, apaziguando de modo um tanto abrupto os conflitos que até então o animavam.
Por que o final feliz, com direito a beijo dos amantes, se dá diante dos loucos devidamente imobilizados em camisas-de-força?

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